domingo, 18 de novembro de 2012

Salada de professores


Às vezes, pra quebrar a rotina, fazíamos festinhas caretas na sala de aula. Era o finalzinho do Ensino Fundamental, mas lembro-me que mantivemos essas atividades também no Ensino Médio. Uma dessas festas era de Salada de Fruta: um vinha com a banana, outro com a uva, maçã, pera... e, quando montávamos tudo numa bacia de alumínio da cozinha da escola, estava ali nossa salada. E que salada. Não digo gostosa, já que tenho minhas predileções: não gosto de uva com semente, nem maçã com casca, também prefiro a salada regada com tubaína e não com suco de laranja. E jamais com creme de leite ou leite condensado. Mas hoje gosto mais da salada de fruta que me traz um breve tempo do passado pra mais perto, pro meu presente. Me lembro, antes de tudo e de todos, do professor Luís Carlos, de Geografia. Um homem sério em sala. Palavras bem colocadas e bem entonadas. Mas lições que não me esqueço: humildade, sabedoria... coisas que, quando adolescente, nos fechamos para reconhecer nos outros. Relembrando carinhosamente essas aulas, hoje encontro grande passos metodológicos em suas palavras. Devaneios que passeavam pelos diversos tipos de conhecimentos e materializações deles derivadas. Sobre a salada de fruta, fizemos, certa vez, em sua aula. Me lembro que falávamos que não era atraente o fato da maçã e da banana amarelarem. Ele sorriu, e então nos ensinou um segredo para que isso não acontecesse. Luís Carlos já se foi. Há uns 8, 10 anos. Mas eu, ao usar desse segredo agora há pouco, o trouxe bem vivo um pouco mais pra perto dessa distância toda.

domingo, 11 de novembro de 2012

Sou exatamente igual a você


Vi, nesses anos, tantas paisagens com esses meus olhos... quanto você, que trocou a imagem de fundo da sua área de trabalho do computador. Conversei e ri tantas vezes com desconhecidos... quanto você, com seus mesmos colegas em suas redes sociais na Internet. Olhei, maliciosamente, para tantas pessoas interessantes na rua, nas calçadas, nos ônibus... quanto você, que cutucou alguém no Facebook ou coisa que o valha no Orkut. Toquei tantas peles e cabelos: macios, com marcas de expressão, cheirosos... quanto você, com seu mouse e seus cliques nos botões esquerdo e direito. Senti em meus ouvidos tantos suspiros e calor... quanto você, com suas caixinhas de som e coolers de resfriamento. Falei alto, ri alto, gargalhei tanto... quanto você, e seu microfone embutido na tela do notebook. Abri minha porta, o portão de entrada do prédio e meu peito para tantas pessoas... quanto você, ao abrir suas novas mensagens de email ou mensageiros instantâneos no celular. Passei tantas horas admirando aquele rosto lindo da nova paquera, como o cabelo dela mudava de cor ao longo do dia, e como não tem fim tantas caras e expressões com o cotidiano que ela faz... quanto você, e sua foto aberta estática na nova tela de LED. Aprendi novas coisas, um novo suco, conheci uma nova comida, tantos sabores... tanto quanto você, e seus novos atalhos no teclado e funcionamento da bandeirinha do windows. E resolvi seguir conselhos, palavras amigas, me calei e escutei, pensei e ponderei tantas vezes... quanto você, que curtiu aquele desabafo tolo nos Feeds de alguém igual a você. Somos exatamente iguais, mas separados por nossos viveres.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Nós e nossos eles


Vez ou outra penduro imagens mentais da minha vida no teto da minha idade. A cada novo ano, novas experiências; não necessariamente valiosas. Somo, em alguns anos, o mesmo que em meses, semanas de outras épocas. E esses últimos tempos têm sido ricos nesse sentido. As grandes e valiosas amizades, as coisas boas compartilhadas, as grandes aventuras no meu mundinho pequeno, as mentiras descaradas dos outros e minha carinha de quem acredita. Tempo de tudo e de todos. Todos dependurados ali, nas minhas imagens aéreas. Às vezes preciso me afastar pra tentar olhar pra algumas deles. Tento ponderar, observar o que houve. E pouco vejo. Meus eles se dissimulam quando os encaro. Me afasto mais ainda, tento manter experiências com as passagens da vida. E muitas tão pouco me trazem: pessoas que pouco - ou nada - me mostram. Queria até deixá-las fora desse texto, mas, sem citá-las, como poderia excluí-las? Desses tempos fabulosos, porém, levo gravados ensinamentos. E foram doídos, só assim pra marcar. Eles todos me abrem para um outro eu e seguem comigo agora. Vão pra sempre, dependurados no meu teto e ao alcance das mãos. 

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O professor de filosofia e minha nota D

;

Me tornei professor, uma escolha óbvia para um filho, irmão, sobrinho, primo de professores. E atuar nessa profissão tem me trazido lembranças de quando fui aluno. E, me colocando nessa perspectiva, me vejo na pele dos meus próprios alunos, projetando seus ardores em certezas que só virão amanhã. E tudo são lições que se aprende, às vezes, com uma boa dose de tempo. Uma das grandes lições que aprendi quando menino me fora ensinada pelo professor de Filosofia do colegial. Sempre fui um estudante mediano, mas esforçado. Notas médias, poucas faltas, sentia que era mais difícil pra eu entender certas coisas do que pro resto da turma. Mas isso me foi combustível e não freio pra meu aperfeiçoamento.

Um dia, entretanto, algo terrivelmente errado havia acontecido. O professor havia me dado nota D, o equivalente a 2. Ou seja: mais do que o suficiente pra levar uma bronca moral dos pais. Passei pela bronca, reconheci a necessidade de estudar mais e segui adiante. Nunca entendi, porém, como eu, um aluno mediano e esforçado, havia tirado D enquanto o pior aluno da turma havia tirado um A. Comparações são inevitáveis, especialmente nessa época adolescente de autoafirmação. Achei injusta a discrepância das notas pois sabia do meu esforço e via a indiferença do outro estudante em relação à disciplina em questão.

Cerca de 4, 5 anos depois desse D eu reencontrei esse professor, que havia se mudado da minha pequena cidade, mas retornado. Era um sábado a noite e nos vimos, rapidamente, no corredor de um bar na avenida da minha pequena cidade. Não estávamos no melhor estado de sobriedade que um recém universitário e um antigo professor de Filosofia deveriam estar, mas era possível identificar os argumentos, entender as palavras e compreender a situação que se formava ali. 

Resolvi tirar satisfação, havia ingressado em uma ótima universidade pública e me sentia confiante o suficiente para questionar aquela antiga e injusta avaliação. E foi 5 anos depois que veio a grande lição daquela prova de colegial... quando questionei o porque da minha velha nota baixa e da velha nota alta do mau aluno, o professor puxou a minha cabeça quase encostando-a na sua. Então me disse que sabia que eu era capaz de muito mais do que aquele outro aluno, e reconheceu que eu realmente merecia uma nota melhor. Mas continuou dizendo, entre pausas pra respirar e organizar as ideias que vinham mais lentamente, que se tivesse me dado nota 10 ele teria, conscientemente, podado a minha vontade de buscar um objetivo maior, qualidade que havia identificado em mim. E pediu minha compreensão. 

Voltei pra onde estavam meus amigos, e comentei sobre a situação estranha que acabara de vivenciar. Todos eram admiradores, mesmo que calados, daquele humilde professor. Naquele dia, meu antigo professor ganhou mais do que minha compreensão. Ganhou minha eterna admiração e respeito. Eu, ganhei uma lição: que o conhecimento e o crescimento humano-pessoal são coisas que se estruturam com perseverança e com tempo, mesmo sob os olhos da nossa ignorância, que tão onipotente se julga. Aprendi que é preciso esforço, muito, e tempo, mais ainda, pra se entender as lições de um verdadeiro mestre. E falta sinto de mais mestres assim, que usam jeans, chinelos, camisas abertas e que sabem da vida não porque estudaram, mas porque viveram. 

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Um nó. No peito


O que aconteceu foi assim: vi um papel se transformar em um nó. No peito. Desse que deixa de ser uma lembrança doce e contida na garganta pra se transformam num papel amassado e delicadamente posto de lado. Não se apaga da memória os momentos em que, ao desembrulhar aquele sentimento, o barulho rompia com o silêncio e com os olhares nele navegando saborosamente. Foi quando o leve toque protegido entre esses dois pelo algodão frustrava qualquer desejo antecipado, e suas vontades confusas e contidas deixavam a simples promessa de sabor mais adocicada ainda. Nesse movimento tais vontades revelaram-se, numa das pontas desse papel, contraditórias e, na outra ponta, confusas. Tantas foram as palavras colocadas tão naturalmente, tão docemente que fundiram-se sem o sabor desses dois. E o desejo ali se dissipou... primeiro em uma das pontas... até levar também o da outra. Presenciei, ainda, boas explicações que envolviam destinos, fases positivas da vida, situações demasiadamente delicadas, complicadas... elas não me convenceram. Assim, no meio disso tudo, um nó. Testemunhei tantas tentativas de desfazê-lo! Estranho foi saber que todas essas tentativas foram sinceras e honestas, mas mesmo assim parecem não ter tido efeito algum. Mesmo com olás brancos engavetados. Creio que as tentativas tenham sido esgotadas quando encontrou-se aquele beijo no canto de uma foto quase perdida nas nuvens. E foi justamente quando apenas o nó criado pelas próprias pontas os separava. Fez-se, naquele momento, nó de chocolate branco.  

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Orbes Celestes fazem amor


Uma teoria que deveria ser conhecida é a do amor. Os fundamentos da minha teoria do amor estão certamente nos Orbes Celestes, que acredito fazerem amor todos os dias. Pra entendê-la, é preciso tomar lições. Primeira lição: a atração. Faz-se juras de amor e palavras tolas são ditas - por estes que lá, no incomensurável, amam - de que o espaço é curvo, e o tempo, uma convenção. Olhe para cima e, se tiver sorte, verá a lua amando nosso planetinha sempre que lhe convém, curvada nas vaidades de uma deusa azul. Ela foi atraída e hoje só faz amor. Segunda lição: amores machucam. Em escala menor, mesmo ela, feita de queijo, sofrera. Outros ali próximos chegaram e vieram sem desacelerar. Há amores pequenos, médios, grandes e incalculáveis. Há amores passageiros e duradouros de acordo com cada Orbes. Se imaginares um amor grande, outro além céu, o olharás com desdém, insignificância comedida.  Terceira: amores raspam. É quando um cometa cruza o céu, ilumina demasiadamente certo hemisfério em nosso prazer e depois se vai. Acontece que passam tão perto que deixam poeiras, rochas e imagens que, lamento, guardamos sem poder escolher que não. É um amor gostoso esse, mas talvez o mais sofrido. Embora haja troca de todas as lições, não costuma ser sincero, é fálico com sua ilusão e ego em se mostrar imensamente maior do que realmente é, e sempre ao custo de uma luz de outro amor. É praticamente um pavão, de carne macia e saborosa na boca e no sexo dos amantes. Quarta lição: efeito chiclete. Acontece quando, sem notarem, fazem amor e distanciam-se demasiadamente. Pelo pouco de amor experimentado, vem a falta, e então um dos dois exerce tamanha força que o outro, mesmo em novo caminho e nova rota, retorna sem poder escolher. E quando começa a voltar inicia o fim da história entre eles. Eles se encontram avisadamente, mas tão violentamente que tentam ser um. É posse. É domínio. E termina onde começou, alcançando novos Orbes a procura de acalanto e curvando-se para dentro do espaço outro que lhe domina. E é então novamente engolido. E isso se repete infinitamente desde sempre. Vivemos tão tão pouco que só somos capazes de ver - com olhos e espírito - quando uma rosa murcha e perde a cor. Talvez como o coração de tantos pierrôs que passam por essa estrada a procura de suas colombinas. 

terça-feira, 10 de julho de 2012

Amor-de-tolo

Cada pedacinho de mim põe à luz a sua presença; tão forte é sua ausência. Cada lembrança é dura e doce; tão marcante passaram os dias. Pra cada ocasião, uma solidão; tão misterioso são meus sentimentos. E assim, pra cada ida e vinda do amor que me recordo, ainda sofro. Já moço, senti as dores do início ao fim de uma paixão adolescente. O amor que acreditei sentir, o desejo que sempre tive, a ideia de que resistiria à tudo e à todos e que seria para sempre: doeu perceber que não era bem assim. Perguntei-lhe se o sol ainda se levanta depois de um erro. E me disseres que sim. Jurei, e quis, tanto, que não. Mas o sol é óbvio demais. Pra mim, se fostes lua, eu não a quereria girando. Mesmo que fostes teu juramento. Das coisas do coração é que menos sabemos. Se sigo, não é sem opção. É por desejo que tudo se resolva. Acho que uma parte das pessoas passaram por isso. Algumas seguem adiante, se acostumam. Mas pra mim é tudo tão novo, apesar de se passar comigo velho. Acho que é assim: quando se aprende que cada palavrinha tola tem valor, o valor das coisas dobram. E quando nos achamos ricos desses valores imateriais, temos medo de abrir espaço pra outros metais sentimentais qualquer. Vai que é um desses amor-de-tolo. 

domingo, 24 de junho de 2012

Sobre os dias de tristeza

Esses dias tem se alastrado por semanas. Passam e voltam, numa dança elíptica ao entorno do seu próprio balançar. No centro, sentimentos que não consigo entregar um nome. E me pego encolhido, olhos mareados e sentindo frio. Há algo de errado nesse inverno, chegou escuro e chuvoso, trazendo sensações até então facilmente dissimuladas. Agora se tem uma cabeça vaga e os olhos constantemente não. Eu próprio procuro um sentido para esta estação. E só compreendo que não é apenas mais uma. As coisas têm mudado. Mais claro do que nunca, percebo que eu também tenho mudado. Ainda me pego redefinindo meus valores. Recriando alguns sabores e lançando um paladar adiante na esperança de um sabor de vida. Dissabores me trouxeram vários. Esses, que trazem aquilo que bem querem! Estou tentando evitar esses últimos. Novas orações sobre um velho tema. Novos papos com aquilo que acredito e tanto silêncio como resposta. A resposta é a vida. Mostra banal: aquelas tantas coisas que no cotidiano me lastimavam e tiravam a força perderam sua importância. Como foram pequenos tantos problemas! E não são demônios pessoais que atormentam esse moço não. São instantes que exigem decisões ponderadas. O carma não é viver sobre a pressão de ações que condenamos, mas viver sobre decisões que foram preciso tomar. Mais exatamente nas suas consequências. Tais decisões não baseiam-se no sim ou não, no certo ou errado. Mas na mudança pessoal. E eu nisso tudo? 

E o velho ri. Pois tal qual o tempo também sabe do desenrolar dessas besteiras. 

Em tempos assim que testamos nossos valores. Que colocamos a prova nossas crenças e que nos arrependemos por decisões, tomadas ou não, no passado. Sobre os dias de tristeza, tenho certeza, se fundamenta um futuro de alegria. É incerto no momento presente, mas me parece que deve ser assim. Em tempos assim telefonamos para alguns amigos e perguntamos sobre antigas memórias deles. Revivemos sentimentos nos outros, os forçamos a lembrar talvez daquilo que eles já se afastaram há tempos. Aproximamos pessoas queridas daqueles estados da alma deles que foram esquecidos. Ou que permanentemente foram e são colocados de lado. Não gosto. Mas preciso. Faria o mesmo por eles. Humildemente peço que entreguem suas consciências a um preço que beira o gratuito. Se não o for. Daquilo que lhes causava frio ao que me causa frio. Rememorar algumas lembranças faz bem entretanto. Nesse período ainda não tirei um nada de lição. A lição será a consequência desse período. Portanto, conversar com o velho pouco trará lições. O máximo que se pode fazer é passar aquele velho café, já não tão saboroso como antigamente. E mocar esses dias de tristeza. 

sábado, 23 de junho de 2012

Ao tempo sem pressa

Se tenho pressa, me pergunto. Tenho. Vejo a vida passar com olhos molhados. Que coisa bela, que espera. Que cenário pintado pelo acaso. E que caso tenho em vida, que em vida sofro tanto? Ao tempo sem pressa eu corro em dobro. Contra e a favor. Dos ventos, não da sorte. Ergo meus muros pra pulá-los depois, transpondo assim meus medos. E como me assustam. Me empurram adiante. Corro feito criança, mesmo velho. E moço ainda sofro, e moço ainda choro, e moço ainda tenho esperança. E moço me torno velho, errando feito criança que aprende as consequências nas suas formas lúdicas. E tento, a partir do meu todo, seguir de forma boa. Oro e peço em pensamento, baixinho assim pra dentro, que me traga seres e coisas iluminadas. E quando elas vem, me delicio. E quando são tomadas de mim, sofro novamente. Me questiono se eu próprio as afasto. E me respondo que eu próprio as aproximo. 

Se movo ambas oriento, seguir adiante é um contentamento. Mas paro em meio ao caminho torto que insisto em percorrer. Meus pés se cansam, e a alma lava por fora um corpo que sente tanto pranto. Ainda é pesado carregar tantos anos. Quando velho, chegada hora de desaprender. Assim espero. Se jovem dor assim entope o peito, depois precisa despejar em algum riacho. E que diabos é isso que se sente quando se leva alguém pra onde não se quer. O lugar mais distante é aqui dentro. A gente sente, mas está pra lá, fora em algum lugar. Mais perto também. Uma vez aqui, fica. Não dá mais pra tirar. Saudade a gente tem e sente só quando nos faz bem. Ser saudade é mais difícil. Precisa aquilo que Pequeno mostrou: cativar. Só se deixa cativar quando há espaço. Ou então se fecha, sem razão aparente, sem uma desculpa qualquer. Como se precisasse disso tudo. 

Entende com o tempo que passa sem pressa que nossa permanência é curta e breve. Mesmo ao meu tempo, infinito que hoje se apresenta. No apartamento vazio, na vida solitária que levo, mesmo com tantos aqui dentro do peito, viver cada dia é como percorrer uma eternidade. Desses, outros quero tirar. Mas poucos deles consigo. Ser sentimento é uma dádiva. Animal faz poemas com seus cantos, nós, de polegares opositores, com a realidade. E tal realidade é cansativa, mesmo se breve porém. Sinto aqueles que se vão tão próximos que esses me causam dor. E os que ficam e não estão, que seguem sua própria luz, me roubam tanto do pensamento! Me causa tormento essa vida que passa depressa. Ao tempo, seus encantos, mas que dor trazem pra dentro. Ter peito humano aberto e vivido é complicado.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Redenção



A benção é que é uma redenção. Mas dói. Tanto que me encolhi. Tanto que me perdi. Tanto que senti frio, soluçava e ria em espaços regulares. Tanto que lembrava de antigos conselhos de mãe. Tanto. E mais um pouco vertia em pranto. Sinto. Tantas coisas que buscava palavras pra manter a lucidez. Então novamente me encolhia. O choro, a vela, os pensamentos vagos, sem direção. Sentimentos. Quantos! Onde estão? Todos naquele momento ausentes. O coração doido sem doença alguma. A alma sendo lavada, e na boca aquele gosto salgado. A pele gelada. A razão me dava um pouco de consolo. E novamente ela se ia. E, então, desespero ali no chão da sala. Ainda subitamente me pego em controle. E espero desesperadamente a noite chegar. O tempo não passa. Já passou tanto tempo. No carro (dia-a-dia continua) nova vontade. Paro. Tiro óculos escuros. E mais um pouco me lavo. Procuro minha casa, tão distante. Quero solidão. Há sentimentos sujos, escondidos. E preciso lavá-los, caçá-los. Entendê-los. Mas é que é preciso. A opção é não desistir. 

São coisas que precisam ser resolvidas. Indiferentemente de tantas outras questões. Por mim. Senti algo como vergonha. Senti profundo espaço incompleto. Sozinho ali. A criança tomou a frente e sentou, velho e moço, a olharem-na. E então passou a soluçar tudo aquilo. Desesperou-os. Criança que somos, todos soluçávamos. Mas sem abraços. Então percebi que todos os três se foram. Deixaram meu infinito um espaço em expansão. Suportei, entretanto. Mas a que custas? Antes era preciso entender o vazio. Agora, as cicatrizes. E verto novamente em pranto. E me encolho no chão frio pro colchão não suavizar. Dor necessária. Dor que vai de dentro pra fora. Não quero prendê-la. Quero chorá-la. Trai-me a memória. Ela falha. Não elucida. Confunde. E penso coisas pra garantir um futuro, pra iludir uma alma que pede por qualquer consolo. 

Pedi pra que ficasse pra amanhã a conversa. E ficou, não sem grande falatório. Não havia dimensão pra coisa. Parecia exigir um vazio de um copo pra encher minha caixa de sentimentos. Me fiz forte pra uma expectativa, que em último tempo se dissipou. Mais rapidamente do que chegou. E não entendo dessas coisas de tempo. Mas devo ter errado em algum ponto. Enfim. Na hora, então, mostrei meu peito. E agora tenho algo como vergonha. Tal dor era tanta. Impossível não ser infeccioso. Mas se queria ver, viu. Como o menino, moço e velho, se desesperou. Tanto ali me lavei que criava mais sujeira. Quanto ainda demora pra limpar? Sei que ainda me encolho nas noites. E ainda dói tanto. E ainda discutem o tamanho do universo. É pouco. Já fui ao seu fim e voltei várias vezes essas semanas. O espaço é pequeno pra essa dor. Não sei como entender isso tudo. 

terça-feira, 12 de junho de 2012

Conversa de um moço



Sei que fui insistente de mais. E sei que fui pouco insistente outras vezes. Sei que não pesei adequadamente cada uma dessas vezes. Sei que fui ausente de mais. Percebo que outras vezes fui presente demais. Lembrando desde nossos primeiros anos, percebo o quanto eu errei com você. E percebo também o quando eu errei comigo. Tenho pensado, relembrado, revividos diversos momentos. Me remoído. Alguns fatos praticamente esquecidos. Sei que presenteei demais. E tenho convicção de que hoje eu presenteio de menos. Sinto que exigi de mais. E percebo que talvez tenha exigido pouco ainda. Me impus excessivamente antes. E não me impus adequadamente quando deveria. Nem mesmo hoje. Sei que chorei. Muito. Em cada uma dessas vezes.

Convivi demais com você todos esses anos. Fui ausente em cada um desses anos. Te liguei diversas vezes. Por diversas vezes passei tempos procurando um orelhão. Era madrugada. E tantas outras deixei de te ligar da sala de casa. Tantas vezes não disse que amava, me calei. Mas tantas outras demonstrei! Vivi momentos intensos. Também a monotonia. Respirei ares carregados. E me senti flutuando alguns tempos. Estava leve. Fui pesado demais e me arrependo disso. Mas não esqueci de ser delicado também. Fui sincero. Falei demais. Era preciso calar. E ainda assim me calei. Escutei mais que o suficiente. Mas não escutei o necessário. Olhei fundo nos seus olhos. Quis ver sua essência. Mostrei a minha. Escondi a minha. Andei pouco com você. Andei mais sozinho. Porém não fui errante. Olhei, entretanto, pro mesmo horizonte. Acelerei meu passo. Fui na frente. Olhei pra trás. Voltei.

Toquei pouco seu cabelo. Segurei sua mão com ternura. Respirei o seu ar. Não respondi com candura. Fui sarcástico. Fui honesto. Pedi arrego. Perdi esperança. Tive sonhos. Estabeleci metas, protelei tantas vezes! Fiz planos. Desfiz diversas vezes esses planos. Os refiz. Tivemos tantos momentos. E passaram esses momentos. Fui inconstante, inseguro e imaturo. Errei muito e me dói tanto. Acertei tão pouco em meu julgamento. Orei. Chorei mais. Nunca o tempo parou pra eu me refazer. E refiz meu sentimento diversas vezes. Me refiz enquanto pessoa. O tempo foi passando. Me fiz enquanto adulto. E, adulto, quero fazer um juramento de felicidade. Sinto que fiz tanto. E vejo que deixei tanto ainda por fazer. Precisamos ser felizes. Quero que você seja feliz.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Meu caminho de Santiago


No caminho - hoje invisível -
de Santiago há espaço para a fé?
Se houver,
ore por mim.
Ore.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Depois daquela conversa


Acordei entristecido alguns dias dessa semana. O lençol desarrumado, o travesseiro desconfortável, a cama grande sem carinho, a friagem batendo lá fora. Acho que depois daquela conversa tive uma pista dos planos que realmente precisam ser feitos. E fiquei assustado. A culpa desse meu susto não é sua. Na verdade o que veio de você pode ter sido uma benção. Talvez você tenha sido a benção e suas palavras apenas os indícios de uma nova cama grande pra arrumar. Acordei destemperado hoje. O tempo nebuloso e frio me mantiveram deitado, pensativo. Não pude concluir nada. Não sabia sequer como pensar. Das coisas que quero uma delas é a felicidade na maioria dos meus momentos. Os momentos tristes já o são por si só, daí a necessidade em fazer de todos os outros boas recordações. Mesmo aquilo que por natureza é uma boa sensação - por diversas vezes - se tornou um ato desesperançoso. As últimas palavras, telefonemas, escolhas, tem tido um peso quase insuportável. A vontade de chorar não ajuda. O próprio choro não ajuda. As lembranças boas são sublimadas. Os tempos bons vividos eu os troco pela esperança de outros bons tempos a serem vividos. Tenho lutado pra que permaneça a minha vontade de ficar. 

quarta-feira, 30 de maio de 2012

C...ontradição


Eis que me deparei com uma possível contradição: disseram que meu pó de café não serve. Logo o meu, que é tão gostosinho quando passado? Há um desacordo nisso. Em resposta eu disse que sequer fora provado para ser aprovado ou recusado. Precisamos, portanto, fazer um acordo breve: que se analise todos os demais cafés, sejam de altitudes, de coloração fraca ou mais escura. E apenas por último o meu, para efeito de comparação. Confesso que é sim uma estratégia. Ao provar dos demais, que suje sua língua com as marcas daqueles grãos que são colhidos e oferecidos indistintamente. Carregue seu olfato com aquelas lembranças e guarde bem o retrogosto na sua memória. Depois, mas somente depois, venha ter com o Velho esse gosto prazeroso. Certamente ele não se importará de ser o último nesse roteiro. Mas venha seguro de si, reto com seus sentimentos e com boa autoestima. Haverá queda de sua firmeza quando perceber todo o tempo perdido antes desse último café. E, então, não tirará essa última xícara da boca. 

domingo, 27 de maio de 2012

Amanheceres de minha vida


Amo amanheceres. De primaveras, verões, outonos... demorará ainda até o inverno chegar, mas talvez os amarei também. O bom desses amanheceres é poder sair de casa, rapidamente, e por ao menos os pés pra tomar daquele sol novo, fresco, em tenra idade. Os sóis da manhã me deixam feliz. Eles me fazem duas vezes bem: me mostram sempre um novo amanhecer e aquecem aquela minha velha casa e suas marcas. Queriria poder retribuir aos amanheceres tudo aquilo que eles me trazem. Mas sou tão pequeno que, sinceramente, meu aparecimento sequer deve significar alguma coisa na vida desses sóis. Também não tenho tal intensão... Meus pés ou mãos, que exponho muitas vezes desprotegidas aos seus raios, sentem um leve tocar. E ficam marcados, assim como minha alma ainda com cara de sono. Os sóis dos amanheceres devem vir mansamente. Espero isso deles. E devem passar. Como em todas as manhãs que viverei. 

sábado, 19 de maio de 2012

Chuva pra minha fertilidade

*Pra Pipa, a moça menina que voltará a acreditar em príncipes

Aqueles velhos dias de chuva voltaram. Uma vez por ano eles voltam. A cada ano, em sua devida estação, tenho plantado sementes bem específicas, cuja própria terra me ensinou a semeá-las adequadamente. Se fora da estação, com ou sem chuva, elas não rompem a terra novamente virgem, muito menos germinam. Assim como a devida chuva, uma vez por ano volto a rememorar minhas saudades. Diferentemente de Gaia, por vezes gero em meu seio colocações inadequadas: chove quando minhas sementes precisam de sol, e há uma estiagem quando nada de água cai. Percebi que meu ano pouco tem forma e sentido. Meu ano é finito, enquanto suportar abrir os olhos pela manhã. E nessa duração vou semeando, aguando e colhendo à mercê de fatores que - muitas vezes - de nada tenho a ver. É complicado quando chove de mais. Mas sei que sem essa chuva tanta secura de antes não teria como curar. Só assim pra deixar esse seio novamente fértil. 

A foto tb é do velho. 

segunda-feira, 14 de maio de 2012

A palavramundo não se faz

Quando criança fiquei a olhar para os lados. Olhei para cima, para baixo e todas as diagonais elementares e cores corridas de um prisma. Olhei o mundo antes de olhar por uma janela que me mostrou o mundo. Hoje as janelas são menores e mais coloridas, nos encantam e nos levam para onde elas se abrem. O que percebo foi que minha janela, talvez porque simples, me ensinou que era mais vibrante olhar, antes, o mundo que se abria diante dos meus olhos. O tempo lento de descobrir a palavramundo curvou-se ao tempo eletrizante do liga e desliga das novas e superápidas janelas eletrônicas. Antes, acordava e ouvia o som por detrás da minha janela que, lentamente, rombia seu segredo com a chave correspondente. Se fosse hoje, meninosantiago já levantaria com o som na cabeça, assim como o moço o faz. E não gostamos disso. Mas entendemos o processo. E damos graças a Ele que somos do tempo lento da palavramundo. Pena sente o velho, que lamenta não poder ver essa geração inerte se desfazer na sua ilusão tecnológica.

Img do moçosantiago.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

A última e o primeiro

A última agonizava, chegava-se ao fim - chorava. O primeiro sorria de orelha a orelha, ainda que sem jeito - verdadeiro. Enquanto ela tentava em vão enganar seus relógios, ele sentava alegremente a voar pelo tempo. Inútil a última tentativa de dissipar, inútil pensar que haveria retorno, inútil sentir tanto aperto no coração. Tudo que se mostrava agonizar o fazia pelo bem até então vivido. O sentimento verdadeiro era o bom, tanto que falta já lhe fazia da existência que chegava ao fim. Pensamos - e queremos - que dessa passagem com aperto se lembre. Dores dessas sentem os que amam profundamente e são capazes de suportar, esses algozes! E tal início, ele, ainda jovem como criança, vem povoar o coração com um friuzinho na barriga que pensamos - e queremos - que dure tanto quando dure o sentimento daqueles que amam profundamente. Ela, a última vez que os veremos namorados, termina em breve. Ele, o primeiro dia que os veremos casados, começa em breve. Serei testemunha.

ao amigo Renato Menezes, que casará hoje, logo mais. 


ps: foto roubada do blog do companheiro Guto Sonemberg, do qual sou grande admirador

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Outono quente



É Outono, e tenho que, apesar da juventude, me esquivar de algumas coisas cada vez mais. Uma delas são pessoas. Tenho caminhado lentamente nos últimos dias, buscando manter serenidade e auto-confiança. Não me preocupo muito com minha estima, já que minha parte criança, moço e velho é bem resolvida. Quando um exagera, outro delicadamente pondera. Se pondera de mais, o outro senta e descança, espera o tempo - esse deus das curas impossíveis -  passar. Pessoas entram e saem todos os dias da minha vida. Algumas, percebo, tem no olhar uma pequena parte antes minha: pode ser uma saudade escondida. Outras, e dessas me afasto, mostram logo uma prévia de algum erro meu: e pensam acertar sempre! Um banquinho de madeira que gosto eu não me desfaço. Uma cadeira cara e lustrosa, que não me cativa, me desfaço. Às vezes me pergunto se é justo para com um outro tal atitude... mas me absolvo rapidamente, imaginando que ele tão se basta de sí que, insignificante que sou, não sentirá saudade. São tempos quentes esse Outono que vivo.    

ps: a foto é no moçosantiago, de sua varanda. 

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Será sempre saudade


Ter na lembrança esse pedaço de você é a certeza que será sempre saudade. É mais carne no meu peito do que pensamento ou desejo. E saudade não passa. Daqui certo tempo quero te olhar, encarar, e assim como sempre esconder meus desejos vicerais. Te dou aquilo que é metafórico com medo de sermos iguais. Seus sussurros são sempre saudade. Respondo que aprisiona e você continua com a mesma resposta em seu olhar. Sua resposta contradiz seu sorriso, seu toque, e sua educação. Eu não deveria morrer assim de amor. Nem sempre saudade é simples. Preferiria um pouco de esquecimento. E quando digo que não preciso, aquele que escuta ri, e maliciosamente consente com a vida que, passando, ri também de mim e desse amor sempre saudade.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Apresentações

Essa noite apresentei vocês dois. Você, de antes, precisava conhecer você, de depois. Senão eu é quem ficaria infeliz. Entender que passado não pode nem deve enfrentar o futuro - e vice-versa - é preciso. Assim vocês dois podem, quem sabe, aprender alguma coisa um com o outro. Das lições que tiraria desse encontro, separo o respeito pelo que passou e pelo que está por vir. Cada qual precisa entender sua riqueza e respeitar a riqueza do outro, sob o risco da infelicidade de cada uma das partes, inclusive a minha. A sabedoria do velho diabo, assim como a inocência da criança precisam ser entendidas cada um nas suas condições primárias. O diabo é sábio porque é velho, a criança peralta porque é nova. E eu, nessa história, procuro a sabedoria do velho sem deixar a peraltice do menino. Quase um diabinho.

domingo, 1 de abril de 2012

O passar é doce



Terça fora mais um aniversário e eu, longe daqueles que verdadeiramente amo, durmira sem ter à boca um sequer pedaço de bolo ou doce enroladinho. Nos dias sequintes, assim que o dia amanhecera, relembrara pequenos pedaços doces da minha passagem por esse caminho pra que, assim, me mantivesse no centro dos meus sentimentos. A contemplação dos dias ao passar é doce. Seu passar, em si, constante. Fiz meu caminho adequadamente nesses dias. Tantos passos comedidos, tantas palavras quase ditas. No final, reflexos de pensamentos que não me levariam a nada. Pensamentos em relação a mim e pensamentos em relação à tudo mais. Me lembro quando cheguei por aqui: sempre tendo que explicar o lugar de onde eu vinha. De certa forma, isso têm-me feito bem. Ter a certeza de que tenho coisas novas pra dizer é que me faz ficar por aqui.

*foto de Marcos Andersen

sexta-feira, 23 de março de 2012

Meus Velhos Costumes


Acordo mais cedo com uma lembrança que beira meus velhos costumes. Volto a dormir para rememorar tais costumes e tirar algumas satisfações que, pelo jeito, ainda me roubam a calmaria de uma noite fria. Foi em vão. Repetiu-se a mesma ausência de quando em determinado momento você se foi. Pra mim era tudo assunto resolvido, acabado. Havia seguido, assim como sei que você seguiu seu caminho. Um pé de amora surge em meu caminho. Subo em seus galhos que vergam horrores e apanho algumas poucas maduras. Percebo um receio de manchar a roupa branca. Lembranças confusas sobre fatos, pra mim, mal acabados. Se pudesse dizer o que isso representa hoje acho que seria um punhado de fotografias amareladas, com certa fragrância que (me lembro) de manhã preenchia meus sonhos enquanto andava com uma velha calça de moletom na qual eu inteiro cabia dentro. Como posso esquecer dos costumes?

segunda-feira, 19 de março de 2012

Não é convencimento


Se te falo esses termos não é pra te convencer, mudar sua ideia de agora ou lhe forçar a qualquer coisa que seja. Não é convencimento o que articulo, é atenção. Permito-me dizer que é amor. Se insisto nesses termos não é pra que lhe faça sentir mal, mas pra que possamos sentir cada dia mais bem. Perceba: é coisa que me faz ficar assim olhando meio de lado, pra lado algum. Mas não posso ser com você indiferente. Não posso ser comigo indiferente. Se te peço atenção, é óbvio a falta que me faz. Se insisto pela sua presença, é porque com sua ausência (mais presente) está difícil conviver. Tá, não é um sufocamento, mas também não sei se é paixão que brasa ainda queima. Não pensou que este mês em especial eu precisaria de um pouco mais de atenção? Poderia entender a razão? Estando ao meu lado saberá pelos meus olhos. 

sábado, 17 de março de 2012

Regadores pra olhos secos


Esses meus olhos secos precisam ser regados. Busco regadores pra olhos secos. Secos como o chão do nordeste, como o fundo dum rio quando esse está seco. Secos como a indiferença de pessoas. Tão secos quanto um funcionário público, com suas vestes de terno e gravata, que não faz justiça e se resguarda - covardemente - atrás de uma escrivaninha planejada. É aquela sensação de quase, sabe? Os olhos marejam, a garganta seca, e mesmo só numa sala a meia luz eles não se regam. Essas aparências enganam a mim mesmo e nada mais. Os sentimentos que umidecem - mas não molham - meus olhos não são confusos. São talvez incompletos ou constituidos por incompletudes. São partes de tudo que não se realizou, ou cacos ainda do que se formou em minha vida com minha vontade ou à revelia da mesma. Mas não vejo confusão alguma. Estou certo sobre como tenho caminhado. Faltam-me apenas regadores o suficiente pra tolerar toda essa realidade de cada dia que vejo quando abro meus olhos secos. 

quarta-feira, 7 de março de 2012

Professor e aluno


Certa vez um estudante deu como quem dá de ombros e foi embora. A desculpa a que ele se apegou fora a demora do professor em começar a apresentação da aula do dia: o professor estava com problemas no seu computador. Me lembro que, quando aluno, sempre que um professor demonstrava problemas eu me oferecia para ajudar. Em retribuição ao que ele me ensinaria, eu dava uma verdadeira aula sobre como ser paciente e resolver problemas inesperados, ser equilibrado e compreensivo. Ambos aprendíamos. E eu aproveitava a oportunidade de me firmar enquanto ser humano num espaço em que eu me colocara, um espaço que é de troca. Foi ali que aprendi a ser um bom aluno.

Certa vez uma professora demorou para começar sua aula porque o filme que iria exibir não começava. E nunca teve começo. Após a pane, os alunos sentaram mais próximos daquela professora, cuja voz já falseava pela idade, e puseram-se a ouvir o que tinha a dizer aquela figura julgada ultrapassada pela turma. Foi uma das aulas que mais me emocionaram. Fugimos ao tema, falamos de experiências e fizemos troca. Percebi que ideias novas eu não tinha; para todas era possível buscar alguma referência no passado que tão delicadamente foi-nos trazido ao presente naquela aula. E percebi - com mais dor - que os sentimentos que tinha eram exatamente os mesmos que carregava aquela mulher. Foi ali que pensei em ser professor.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Acusado de amor

Volta e meia me acusam de amor. Dizem que namoro de muito tempo é enrolação. Como podem? São pessoas cinzas, que vestem preto e desamadas que dizem isso. Dura tanto justamente porque se ama. As fases que passamos são estigmatizadas: namoro tem que durar pouco, casamento tem que durar muito. Depois, quando as brigas acontecem e os casamentos terminam, nada se fala! E logo eles, que deveriam ser pra sempre. Já o namoro, ensaio daquilo que é amar, é quando se passa da paixão para aquilo que atrevo, com pudor, dizer "o nascimento de amar". O casamento não começa quando se casa: eis aqui o ato de conhecer ao outro, aprender o respeito, apego, a tolerância, cumplicidade... e se passar o tempo necessário para um ser parte do outro. Não apresso, velho que sou, o namoro. Parte que mais me marcou, ato que mais fundamenta o passo seguinte que, por desejo de todos e da igreja, ninguém pode desunir. Mas me acusam de amor. Aos acusadores, as dores. Aos namorados, minha eterna admiração: que lindo são!

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Ainda te encontro, meu amigo


Esse é um auto-retrato de Magritte, de 1964. Esse também é um velho amigo meu que procuro. Ambos, se apresentam diante meus olhos e me perguntam algo como "quem sou eu?". Da pintura, fica seu mistério. Do meu amigo da infância, cujo rosto hoje é esquecido, fica a vontade de reencontrá-lo. Lembro do seu nome: Flávio. Flávio, seu Master System e Sonic, seu segundo jogo preferido. Quando criança não temos certeza de nada. Ele se foi, mudou quando a família foi-se embora da minha cidade natal. E de lá - sabe Deus onde - nunca mais voltou. Vez ou outra me pego pensando nesses que passam pela beira da estrada seguindo por um rumo qualquer. A maioria se perde. Um grande amor, certa vez, passou dessa forma. Mas fui mais esperto: já velho, agarrei e não soltei jamais. Mas me ressinto com o peso de, criança, não ter tido a mesma força para alguns que tenho carinho ainda guardado. É como se eu (de certa forma) passivamente deixasse meu destino se alterar por vontade dele. Sei que parado aqui, no alto do trigésimo andar, preso no elevador que sobe ao 31º, olho para baixo e vejo os andares que passaram cada vez mais distantes... tem dias que isso me dá vertigem.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Perda da eternidade


Naquele dia ela decidiu mudar a vida dela. A troca de tudo aquilo que teve valor em sua passagem com um querido amor por algo que sequer ainda acreditava veio motivado pelo acaso. Andar sem sapatos, olhar pra tudo como se nada lhe fosse desigual, era apenas uma ação natural, sem premeditação ou sentido é o que de mais natural lhe convém fazer. Mesmo que o caminho fosse o mesmo que sempre fazia pra ir pra casa, agora tudo soava naturalmente novidade. Alma nova, lavada e ainda indolor. Sua escolha por buscar outro caminho era algo que lhe doia, mas cuja decisão fora tomada, sem volta. De agora pra frente, a luta era não retomar seus antigos sentimentos bonitos por uma pessoa outrora muito amada por ela. Mas como enfrentá-la? Como vencê-la? Sua única certeza era aquilo que via: caminhos que poderiam ser percorridos, risos novos que deveriam ser dados e abraços novos com beijos mais calourosos. Seu único erro foi pensar algum dia que teria que ser pra sempre. Por isso hoje sofre com a interrupção dessa eternidade que lhe puseram diante de seus sentimentos. 

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Reencontro



Depois de muito tempo ele foi ao reencontro dela. A espera na chamada telefônica, o "pode passar" que, ligeiramente, soou ter um sentido contrário. Os cruzamentos, as ruas, a procura pelo número da casa e a indicação de referência: "a casa verde na esquina". Acontecem os segundos atemporais, marcados pelas batidas do coração num frenético pulsar. O lapso de tempo é rompido. À primeira vista, o sorriso leve; logo depois o abraço delicado, a falta de paixão no contato por ela. Ele a repreende em ato, puxa seu corpo novamente contra o seu no instante em que um afastamento se anuncia. Ela cede e mais firmemente entrelaça os braços. Pouca coisa. Ele silencia, busca sentir e entender se o tempo dela também está contato pelo órgão que trabalha em virtude de uma paixão. Eles entram, tomam café. Mais gente se aproxima para cumprimentá-lo, sempre demasiadamente educados, demasiadamente amáveis e demasiadamente distanciados de uma vivência que não aconteceu. Então ele se sente querido, e pede baixinho para que o próximo lapso sirva, enfim, para aproximá-los definitivamente.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Último encontro

Ela não pôde ver meu rosto pelo outro lado da linha. Ouvi seu desabafo, sentimentos há tempos guardados rancorosamente. Como consegue? Sempre disse pra não fazer assim. Mas daquela vez entendi que era séria a coisa, o tom de voz, a ligação curta, os motivos inexplicáveis. Era um fim de dois, tentativas fracassadas de um homem e de uma mulher. Tentativas. Eu não tentei. Vivi e quis viver mais, pra sempre, como dizem as poesias. Mas elas não estavam do meu lado. Essa história de que só há amor se houver dor/não sei se concordo. A dor aumentava enquando sentimentos que não expressos em alegria eram, um a um, empilhados em um coração de carne. E isso era amor? Creio que não. Era, talvez, amor ETERNO. Como posso saber? Criança, ali enquanto ouvia aquele último desabafo, compreendi que se guarda do outro aquilo que é importante, aquilo que significa compartilhar. E uma pessoa que compartilha toda uma profusão de sentimentos sem nexos pretende sentir um pouco mais do que amor. Se a poesia estiver minimamente correta, quanto maior a dor, maior (será) o amor (mas que doeu doeu...).