sexta-feira, 23 de março de 2012

Meus Velhos Costumes


Acordo mais cedo com uma lembrança que beira meus velhos costumes. Volto a dormir para rememorar tais costumes e tirar algumas satisfações que, pelo jeito, ainda me roubam a calmaria de uma noite fria. Foi em vão. Repetiu-se a mesma ausência de quando em determinado momento você se foi. Pra mim era tudo assunto resolvido, acabado. Havia seguido, assim como sei que você seguiu seu caminho. Um pé de amora surge em meu caminho. Subo em seus galhos que vergam horrores e apanho algumas poucas maduras. Percebo um receio de manchar a roupa branca. Lembranças confusas sobre fatos, pra mim, mal acabados. Se pudesse dizer o que isso representa hoje acho que seria um punhado de fotografias amareladas, com certa fragrância que (me lembro) de manhã preenchia meus sonhos enquanto andava com uma velha calça de moletom na qual eu inteiro cabia dentro. Como posso esquecer dos costumes?

segunda-feira, 19 de março de 2012

Não é convencimento


Se te falo esses termos não é pra te convencer, mudar sua ideia de agora ou lhe forçar a qualquer coisa que seja. Não é convencimento o que articulo, é atenção. Permito-me dizer que é amor. Se insisto nesses termos não é pra que lhe faça sentir mal, mas pra que possamos sentir cada dia mais bem. Perceba: é coisa que me faz ficar assim olhando meio de lado, pra lado algum. Mas não posso ser com você indiferente. Não posso ser comigo indiferente. Se te peço atenção, é óbvio a falta que me faz. Se insisto pela sua presença, é porque com sua ausência (mais presente) está difícil conviver. Tá, não é um sufocamento, mas também não sei se é paixão que brasa ainda queima. Não pensou que este mês em especial eu precisaria de um pouco mais de atenção? Poderia entender a razão? Estando ao meu lado saberá pelos meus olhos. 

sábado, 17 de março de 2012

Regadores pra olhos secos


Esses meus olhos secos precisam ser regados. Busco regadores pra olhos secos. Secos como o chão do nordeste, como o fundo dum rio quando esse está seco. Secos como a indiferença de pessoas. Tão secos quanto um funcionário público, com suas vestes de terno e gravata, que não faz justiça e se resguarda - covardemente - atrás de uma escrivaninha planejada. É aquela sensação de quase, sabe? Os olhos marejam, a garganta seca, e mesmo só numa sala a meia luz eles não se regam. Essas aparências enganam a mim mesmo e nada mais. Os sentimentos que umidecem - mas não molham - meus olhos não são confusos. São talvez incompletos ou constituidos por incompletudes. São partes de tudo que não se realizou, ou cacos ainda do que se formou em minha vida com minha vontade ou à revelia da mesma. Mas não vejo confusão alguma. Estou certo sobre como tenho caminhado. Faltam-me apenas regadores o suficiente pra tolerar toda essa realidade de cada dia que vejo quando abro meus olhos secos. 

quarta-feira, 7 de março de 2012

Professor e aluno


Certa vez um estudante deu como quem dá de ombros e foi embora. A desculpa a que ele se apegou fora a demora do professor em começar a apresentação da aula do dia: o professor estava com problemas no seu computador. Me lembro que, quando aluno, sempre que um professor demonstrava problemas eu me oferecia para ajudar. Em retribuição ao que ele me ensinaria, eu dava uma verdadeira aula sobre como ser paciente e resolver problemas inesperados, ser equilibrado e compreensivo. Ambos aprendíamos. E eu aproveitava a oportunidade de me firmar enquanto ser humano num espaço em que eu me colocara, um espaço que é de troca. Foi ali que aprendi a ser um bom aluno.

Certa vez uma professora demorou para começar sua aula porque o filme que iria exibir não começava. E nunca teve começo. Após a pane, os alunos sentaram mais próximos daquela professora, cuja voz já falseava pela idade, e puseram-se a ouvir o que tinha a dizer aquela figura julgada ultrapassada pela turma. Foi uma das aulas que mais me emocionaram. Fugimos ao tema, falamos de experiências e fizemos troca. Percebi que ideias novas eu não tinha; para todas era possível buscar alguma referência no passado que tão delicadamente foi-nos trazido ao presente naquela aula. E percebi - com mais dor - que os sentimentos que tinha eram exatamente os mesmos que carregava aquela mulher. Foi ali que pensei em ser professor.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Acusado de amor

Volta e meia me acusam de amor. Dizem que namoro de muito tempo é enrolação. Como podem? São pessoas cinzas, que vestem preto e desamadas que dizem isso. Dura tanto justamente porque se ama. As fases que passamos são estigmatizadas: namoro tem que durar pouco, casamento tem que durar muito. Depois, quando as brigas acontecem e os casamentos terminam, nada se fala! E logo eles, que deveriam ser pra sempre. Já o namoro, ensaio daquilo que é amar, é quando se passa da paixão para aquilo que atrevo, com pudor, dizer "o nascimento de amar". O casamento não começa quando se casa: eis aqui o ato de conhecer ao outro, aprender o respeito, apego, a tolerância, cumplicidade... e se passar o tempo necessário para um ser parte do outro. Não apresso, velho que sou, o namoro. Parte que mais me marcou, ato que mais fundamenta o passo seguinte que, por desejo de todos e da igreja, ninguém pode desunir. Mas me acusam de amor. Aos acusadores, as dores. Aos namorados, minha eterna admiração: que lindo são!