terça-feira, 23 de outubro de 2012

Nós e nossos eles


Vez ou outra penduro imagens mentais da minha vida no teto da minha idade. A cada novo ano, novas experiências; não necessariamente valiosas. Somo, em alguns anos, o mesmo que em meses, semanas de outras épocas. E esses últimos tempos têm sido ricos nesse sentido. As grandes e valiosas amizades, as coisas boas compartilhadas, as grandes aventuras no meu mundinho pequeno, as mentiras descaradas dos outros e minha carinha de quem acredita. Tempo de tudo e de todos. Todos dependurados ali, nas minhas imagens aéreas. Às vezes preciso me afastar pra tentar olhar pra algumas deles. Tento ponderar, observar o que houve. E pouco vejo. Meus eles se dissimulam quando os encaro. Me afasto mais ainda, tento manter experiências com as passagens da vida. E muitas tão pouco me trazem: pessoas que pouco - ou nada - me mostram. Queria até deixá-las fora desse texto, mas, sem citá-las, como poderia excluí-las? Desses tempos fabulosos, porém, levo gravados ensinamentos. E foram doídos, só assim pra marcar. Eles todos me abrem para um outro eu e seguem comigo agora. Vão pra sempre, dependurados no meu teto e ao alcance das mãos. 

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O professor de filosofia e minha nota D

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Me tornei professor, uma escolha óbvia para um filho, irmão, sobrinho, primo de professores. E atuar nessa profissão tem me trazido lembranças de quando fui aluno. E, me colocando nessa perspectiva, me vejo na pele dos meus próprios alunos, projetando seus ardores em certezas que só virão amanhã. E tudo são lições que se aprende, às vezes, com uma boa dose de tempo. Uma das grandes lições que aprendi quando menino me fora ensinada pelo professor de Filosofia do colegial. Sempre fui um estudante mediano, mas esforçado. Notas médias, poucas faltas, sentia que era mais difícil pra eu entender certas coisas do que pro resto da turma. Mas isso me foi combustível e não freio pra meu aperfeiçoamento.

Um dia, entretanto, algo terrivelmente errado havia acontecido. O professor havia me dado nota D, o equivalente a 2. Ou seja: mais do que o suficiente pra levar uma bronca moral dos pais. Passei pela bronca, reconheci a necessidade de estudar mais e segui adiante. Nunca entendi, porém, como eu, um aluno mediano e esforçado, havia tirado D enquanto o pior aluno da turma havia tirado um A. Comparações são inevitáveis, especialmente nessa época adolescente de autoafirmação. Achei injusta a discrepância das notas pois sabia do meu esforço e via a indiferença do outro estudante em relação à disciplina em questão.

Cerca de 4, 5 anos depois desse D eu reencontrei esse professor, que havia se mudado da minha pequena cidade, mas retornado. Era um sábado a noite e nos vimos, rapidamente, no corredor de um bar na avenida da minha pequena cidade. Não estávamos no melhor estado de sobriedade que um recém universitário e um antigo professor de Filosofia deveriam estar, mas era possível identificar os argumentos, entender as palavras e compreender a situação que se formava ali. 

Resolvi tirar satisfação, havia ingressado em uma ótima universidade pública e me sentia confiante o suficiente para questionar aquela antiga e injusta avaliação. E foi 5 anos depois que veio a grande lição daquela prova de colegial... quando questionei o porque da minha velha nota baixa e da velha nota alta do mau aluno, o professor puxou a minha cabeça quase encostando-a na sua. Então me disse que sabia que eu era capaz de muito mais do que aquele outro aluno, e reconheceu que eu realmente merecia uma nota melhor. Mas continuou dizendo, entre pausas pra respirar e organizar as ideias que vinham mais lentamente, que se tivesse me dado nota 10 ele teria, conscientemente, podado a minha vontade de buscar um objetivo maior, qualidade que havia identificado em mim. E pediu minha compreensão. 

Voltei pra onde estavam meus amigos, e comentei sobre a situação estranha que acabara de vivenciar. Todos eram admiradores, mesmo que calados, daquele humilde professor. Naquele dia, meu antigo professor ganhou mais do que minha compreensão. Ganhou minha eterna admiração e respeito. Eu, ganhei uma lição: que o conhecimento e o crescimento humano-pessoal são coisas que se estruturam com perseverança e com tempo, mesmo sob os olhos da nossa ignorância, que tão onipotente se julga. Aprendi que é preciso esforço, muito, e tempo, mais ainda, pra se entender as lições de um verdadeiro mestre. E falta sinto de mais mestres assim, que usam jeans, chinelos, camisas abertas e que sabem da vida não porque estudaram, mas porque viveram.