quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Primeiro Encontro


Distante, ela sorri. Próximo, ela retribui mais uma vez o sorriso. Ele pensa o significado de um sorriso. Conclui que um sorriso é um sinal de aprovação ou ao menos algo que o valha. Ele se aproxima e invade aquele espaço mínimo que todos têm, o limite no qual, se ultrapassado, ficamos sem jeito. Passa então a mão pelas suas costas e sente um leve afastar. Não pergunta o nome dela e solta algumas palavras ao pé do ouvido que serão mal compreendidas. - "Você tem um sorriso bonito. Será que eu poderia mantê-lo em seu rosto depois que sairmos daqui?". Educadamente, ela responde que já está sorrindo ali. Ele consente, mas abre que ali ele sabe que ela está sorrindo, e que havia dito se depois daquele momento ele poderia manter aquele sorriso. "Eu namoro", ela diz. Ele oferece então um café, e deixa claro que quando se namora e se sorri assim, talvez, seja um momento no qual se pode dividir experiência, carinhos e afetos, criar quem sabe laços de amizades. Ele não quer perder aquele sorriso. Mesmo depois da última tentativa, ela se eleva a um status alto de popularidade argumentando que, caso vissem-na com outro em algum ponto daquela grande cidade, poderia ser mal interpretada. Ele se afasta sem lembrar da última palavra que havia dito. Apesar da contradição dos sinais e intenções dela, ele leva a boa impressão deixada pela educação com que ela lhe falava. 

*inicio com este texto a Série "Encontro", sobre encontros não vividos, mas que seriam possiveis existir. E, caso seja um encontro que tenha realmente acontecido com você, leitor, compartilhe!

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Tempo de espera


Ela chegou da França e trouxe os trejeitos de lá. Ele a conheceu no café do aeroporto, e a observava nos olhos enquanto ela arrumava, meio sem jeito, aquele chapéu última moda de tantos zeros. Quando percebeu que não daria conta do movimento, retirou o chapéu e o colocou sobre a mesa. Girou, então, sua cabeça soltando o cabelo preso por baixo daquele feltro. Olhou para os lados a procura do garçom; seus olhos cruzaram com os dele. Desviou o olhar atraída pelo movimento que lhe estendia o cardápio. Abriu o cardápio, pediu um café e sorriu com o canto da boca. O que pensava? Porque sorriu assim, evitando os olhos dele a partir dali? Agendas cheias, viagens marcadas, rotinas tão distantes que não daria certo qualquer relação longa mesmo que todos os olhares fossem correspondidos. Entretanto, instantes de carinho e atenção passageiros foram trocados por um sorriso de canto. E, ao abrir mão disso, um gole de café morno tomou o fugaz lugar de interações - ainda - humanas.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Dois pontos. De-vista.


Cresceu com livros pela casa, no banheiro, nos quartos e nos ouvidos: ainda sem saber ler, sua mãe os cantava e eles gravavam para o mais novo dos dois relê-los desta forma sempre que quissesse. Aprendeu a gostar dos livros. E por gostar, aprendeu a se dar com eles. Findado o mestrado do mais novo, que crescera tão rapidamento quanto uma Era, ao devolver os livros que utilizara na pesquisa, a bibliotecária ficou brava porque ele os tinha rabiscado, sublinhando trechos que achava importantes e pondo anotações aos lados em branco. Chamando a atenção disse: "além de estragar, você diminui o tempo útil deles". Note que ela vê o livro como objeto inanimado, com valor monetário agregado, e que deve dar de comer a uma estimativa de retiradas do acervo. Foi um choque. Jamais ele pensou por esse lado, afinal, aprendeu com os livros que eles precisam conversar com a gente também. Eles levam todo um universo de imagens, sons e sentimentos e, em contrapartida, pedem que os suje, amasse, rasure, escreva sobre eles. A relação com o saber é mútua, vai do livro para aquele que o lê, e desse último para com o livro. O livro - certa vez me ensinou ele mesmo - seria triste se fosse visto como produto que não pode desgastar. Ele se realiza à medida que se rabisca. 

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Riscos do caminho


Caminhante, não há caminho. E os caminhos, quando feitos, são de pedra, José. E então é fácil perceber que não há amigos príncipes, com espinhos, flores ou vinho tinto. Mas havia uma música, me lembro, de quando estava à toa na vida. Sem ninguém me chamar, nem ao menos o samba voz do morro, sim senhor, ela tocava. Calma, fazia mirar um exemplo de vida, de mulheres distantes que não se entregavam ao tempo. Tempo e caminho. Levando, velho que sou, bem cedo. A criança também se levante cedo. Antes de passar pela mocidade, pensava que isso poderia ser coencidência. Talvez seja. Mas percebi nessa mocidade que os riscos existem e não tocam música. Percebo que convém encará-los, aqueles que eu escolher, dançando a música deles. Paradoxo não, metáfora. Encaro os riscos que encararem minha realidade. Daqui, com tão pouco tempo da vida rápida que passa, me parece haver muito para se ter tempo suficiente para se viver. E fica a falta de memórias menos abstratas, sentimentos mais confusos e caminhos com mais riscos. Olhando agora, de longe no tempo/espaço da vida que levei, percebo.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Seu sorriso



Desde aquele primeiro sorriso seu o tempo continua sua sina: correr ora vagarozamente ora demasiadamente acelerado. Em ambas situações, às vezes, cruzo com um motivo ou outro que me traz aquele instante belo para diante dos meus olhos, como se fosse um passe de mágica. Mas eu não sou mágico, então quero que saiba que não há magia nesses instantes, apenas saudade. É como se você estivesse ali, na minha frente novamente. Eu não sinto nada além de uma calma saudade, que se instaura sem pressa e toma forma bem definida, que fica estampado no meu olhar brilhoso cheio dáguas e no sorriso meu sem jeito que ninguém percebe. E se perguntam: "porque você está quieto?", nas raras vezes que me entrego, eu nego. Explicar levaria muito tempo, e já que ninguém saberia reconhecer seu sorriso - nem atribuir o mesmo sentimento que somente eu sou capaz - então prefiro me esquivar. Seu sorriso continua presente em mim, mas agora na boca de outra pessoa. 

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Foco



Todos me pedem foco, menos aqueles que não. Óbvio de mais não é essa primeira frase, é aquilo que querem de mim: meu sangue. Mas só terão se for assim: se eu der! Se não, não. Óbvio! Nem tanto. Já me dei diversas vezes e fui demasiadamente cobrado além do que poderia corresponder. Ou do que eu queria COrresponder, já que respondo melhor aos seus impulsos mais instintivos, naturais. Pouco me fiquei preocupado antecipadamente ou posteriormente pelas suas convenções sociais, morais, éticas, psicológicas, religiosas, metodológicas, enólogas, que seja. Que se lixe isso tudo. Foco desembeleza o passarinho presente na minha mente. Ele é bonito assim, em movimento parado num instante permanente; realidade apreendida com a percepção ampliada pelo resultado da prática fotográfica. Já que minha mente humana tende a completar o abstrato, forma pregnante repugnante que suga minha sensibilidade, não quero então você. Quero é o que eu sinto por você. O desfoque do que sinto é muito mais sensivel e gostoso do que o foco do que percebo: coisa acabada e só.  

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Pendure



Sabe aquela folha em branco na qual você não consegue escrever nada? Tenho tentado há horas pendurar algo nesse varalzinho ai e não consigo. Queria criar uma metáfora, como qualquer uma dessas tantas que tenho feito, mas nada sai. O que quer sair é outra coisa... Mas, por respeito, praticamente calo o velho pra ele não dizer o que pensa. Velhos são assim, dizem como se nada tivesse peso ou consequência. Tento ponderar, mas vem o menino de nós dois e fica apertanto a tecla que faz o hominho do jogo pular, pular e pular. Então preciso voltar o texto e corrigir. Vai, volta... Por exemplo, angústia. Como pendurar isso ai? Esse pregadorzinho não segura. E se por alguma felicidade? Os arames brigariam por ela e eu voltaria com quase o mesmo problema, só que agora sem onde tentar pendurar. Assim tanto um quanto outro ficam fora do varal, na bacia que levei até lá. Essa bacia, pra minha infelizmente, é minha parte de dentro. Tudo fica dentro. E hoje nada quer ser pendurado. Quando levo pra estender, veja que azar, volto com a roupa suja.  

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

De onde vem não sei



Cabelos agitados ao acaso. Negros, mas parecem iluminar.
Seus ouvidos, autivos, prospectam antes.
Olhos, dois olhos negros. Se fecham: aprenderam a ver.
Para o que, não faz diferença. Não são jaboticabas.
Frescor sente. Perfume para o amanhecer. 
Na lingua: sopa de músculos.

Pescoço cilíndrico, quase seu pulso.
Ombros duros. Pele e osso revestem.
Braços sem caldo, punhos cerrados, mãos delicadas, não se sente. 

Não traz em seu seio alimento algum. O que traz não alimenta. 

Na cintura, cordões sustenta. Calça frouxa, leve. Mais barata.
Joga assim, caudalosa. Mas de onde vem eu não sei.
Joelhos semiflexionados. Querem saltar os ladrinhos ímpares.
Pés como que feridos, cambaleiam sua anca farta.

E por dentro... bem, por dentro é só um coração. Resto oco. 

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Abre logo



O presente chegou. O menino teima em não abrir. Abre logo! Mas ele não abre. Desde que pegou em cima da cama (era muito grande para por embaixo) ele não solta. Corre com ele pra lá e pra cá. Tente enfiar sob a cama, mas não entra. Tenta guardar dentro do cofrinho, mas não passa. Tentou a geladeira pra não estragar, mas ela é pequena. E temos que olhar este menino pra lá e pra cá com seu enorme embrulho fechado sendo carregado sobre a cabeça pequenina e loira. Diz que só vai abrir quando o presente quiser sair. Eu e o velho estamos tristes, mas não transparecemos para o menino. Não entendemos a razão disto tudo. Já faz muito tempo pra gente se lembrar dos motivos... Se o menino não contar, vai ser difícil a gente saber. O velho às vezes me diz "deixa de bobagem, já isso passa". Mas é angustiante vê-lo tão descontentamente contente com um presente fechado. De tão inacessível seu conteúdo, quase chego a duvidar de tê-lo eu mesmo embrulhado e posto uma linda surpresa ali... Parece que aquilo nunca foi sequer aberto, meu Deus. E sabemos que caixa de presente na mão de criança é uma das existências mais efêmeras da face da Terra. 

Agora ele bota a caixa sobre a cadeira e senta-se sobre ela pra lanchar. Diz que é mais fácil pra, pequeno que és, comer sobre a mesa.

*(uma homenagem a todas as criança neste dia tão especial).

domingo, 9 de outubro de 2011

É saudade?



Café novamente para abrir este post. Mas sabe porque? É que me dei conta de algo que creio que você também não se deu. O café abre nossa semana, não? Recorremos à ele praticamente todas as semanas, em algum dia. Mas perceba além. Abrimos a semana com café porque abrimos o dia com café. Abrimos com café o que, a semana ou o dia? Pois é. Se sinto saudade, sinto de que tempo: do hoje, que sei sentirei sua falta, ou da quarta que sei que não a verei? Da quinta, da sexta... ou é saudade apenas do primeiro dia? E esse primeiro dia abre o quê? O primeiro dia da semana ou o primeiro dia de toda uma vida? Começar o dia com café é certamente uma das certezas da vida. 

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A Menina que Nasceu Duas Vezes



Se eu contasse aqui esta história ninguém compreenderia. Nem mesmo eu saberia como fazê-lo. Sequer a menina que nasceu duas vezes contaria com exatidão sua própria verdade. Ela disse que sim, está diferente. Mas todos não estamos diferentes no dia seguinte de hoje? Pra entender essa quase fábula é preciso um método preciso, porém pouco ortodoxo. É preciso olhar com todas as convicções que se tem, com todas as crenças e todas as morais aprendidas. Tão necessário se faz atribuir todos os valores-mundo que tiveres sobre tais observações. Encontrará, assim, tal experiência de duplo nascimento por toda a vida desta menina. Basta observar em cada passo, cada direção que tomar, cada dente-de-leão que assopar, cada olhar de chocolate ou até mesmo cada respiro... isso tudo contará alguma verdade sobre esta mentira que aconteceu. Isso a faz especial, mas ela não imagina isso. É pra mim uma menina única, justamente por ser duas vezes. Cada um tem sua particularidade. A dela é Ser, mais de uma vez, enquanto a minha é apenas estar diferente no dia seguinte de hoje.

ps: creio que, nascida duas vezes, a Menina que Nasceu Duas Vezes deveria viver em dobro, correr mais rápido, enxergar mais longe, pular duas vezes mais alto e cantar o dobro desafinado. Deveria fugir duas vezes em uma noite, de casa e de si, e viver duas relações ao mesmo tempo, uma de amor e outra de paixão. A paixão é o amor que não aconteceu e, por sua efemeridade, ganhou a dádiva do fogo no coração dos que se apaixonam sem amar. O amor levou a dádiva do tempo, mas paga com suas complicações inexplicáveis.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Pra quando você não vem



É pra você que não vem que arrumo tudo. Dentro e fora. Mais dentro, onde tem mais bagunça. A bagunça é minha e preciso esconder. Esconder porque não adianta, ela volta. É pra você que não vem que encho a geladeira, compro coisas gostosas e cheirosas, faço a lição de casa. Deixo tudo arrumadinho. E então me pego pensando... Quando você vem, desarrumamos tudo: a cama arrumada às pressas, o sofá endireitado torto, a geladeira e as mesmas coisas gostosas organizadas por tamanho ou por ordem de gostosura. Mas quando você não vem percebo que tudo fica como deveria estar. Que a geladeira, cheia, deveria sempre estar assim e que a cama gostosa é ela desarrumada pra deitar. As flores pra enfeitar falando bom dia e roubando seu perfume enquanto aquele seu doce preferido, que compramos de vez em quando, tenta imitar a docura do seu olhar cor de chocolate. Minha casa pra quando você não vem tem mais a sua presença do que eu gostaria que tivesse. Deito feliz, comendo o doce dos seus olhos.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Mia espera



Cheguei fim do dia. Logo no jardim, ela esperava. Olhos perdidos, como procurando doces pela casa, queixo apoiado pelas mãos. Aquele cabelo cheiroso, perfume infantil. Impaciosa, correu em minha direção. Sorriso aberto, braços abraçando o mundo. Pézinhos que pequenas pegadas deixavam; pequenas para serem explicitas, grandes para jogar na minha cara a solidão. Menina, sentia medo. Mulher, articulava-me em suas mãos por fios, como teatro de marionetes. Como bobas marionetes. O sentimento poderia ser amor. Mas era medo. Amava-me sentindo medo. Da perda, da posse, Deus sabe do quê. Doía-me não corresponder. Passava em outros braços antes. Sem medo, até sentia amor, desses, de pegadas pequenas. Mas a espera pela presença era insuportável. Tanto que não importava outras presenças. O mais importante: desembromar os fios todos os dias. Vem, Mia, vamos entrar.

domingo, 25 de setembro de 2011

Estrela, caia



Se pego aquela moça alta, te cutuco com ela, estrelinha que não cai. Só pra você ver que não adianta ficar ai parada no céu. É primavera, logo as flores e folhas caem, menos tu. Porque não aproveita e cai junto? Assim desce acompanhada, lentamente, até o chão que lhe acolhe. Sei bem que é medo, puro medo. As que aqui comigo tiveram me contaram. Elas são corajosas; belo dia - ou noite - nada disseram: cairam! E aqui vieram pra não voltar. Mas como tem tantas iguais no céu, daqui desse pedacinho de terra seca, tu pareceste só mais uma, e é assim que será pra mim, mesmo caindo aqui. Daí de cima, porém, sei que sequer daqui de baixo tens visão. Vale a pena, então? É... esses pensamentos... Mas sabe, estrelinha que não cai, caia; veremos depois se talvez não torna-te desejo de alguém. Será bem recebida, é verdade, mas logo eu a colocaria de novo no céu, pra cair em outro lugar. Os lugares são tantos em que caimos, não é verdade? Destes, só os que caimos mais calmamente e aconchegadamente nos lembramos. E talvez seja melhor esta lembrança boa do que o fogo de cair cadente.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Dure pouco, mas pra sempre



Não dá pra falar que vou lembrar de você por todo minha vida, vidinha curta, que isso será minha lembrança sobre um dos meus namoros que pouco significaram. E nem quero. Mas é importante que lembre do meu sentimento por você e o que isso me significava nesse pouco tempo que passamos em minha casa. Tampouco desejo um banquete gordo e indigesto para o natal ou uma virada de ano numa praia limpa qualquer à prestação. Mas que não perca a vontade de comer ou que deixe de conhecer novos lugares e pessoas por tão pouco. Seria importante conversar menos, não falar só pra ter assunto, mas utilizar as palavras para coisas mais úteis e colocá-las com precisão para despertar o devido sentimento. Assim como prefiro ignorar e não dar valor algum pra alguém do que bater boca com essa pessoa que quase nada significa pra mim. Vale mais aquela paixão sinceramente fútil, efêmera, volátil, de uma noite, uma garafa de vinho e uma taça quebrada, do que o amor meloso que desperdiça meu tempo com pequenos atos encenados pra agradar a quem quer que seja. Prefiro lembrar do calor que queima minha pele e me marca do que daquela camiseta fresca, barata, que rasga fácil e que logo troco por outra. Assim como sentir o frio que me oferece um vinho ou um café me aquece mais minha alma do que aquele cobertor barato que lavo antes de todo inverno. De manhã, toda manhã assim, prefiro sentir sua ausência do meu lado enquanto estás fora do que olhar pra sua cara lavada e mal-humorada. Que o objeto outro me perdoe, mas não abro mão do que está no meio das nossas significâncias baratas.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Quantos autoretratos são precisos?



A cada dia, a cada nova coisa que acontece, enriquecemos. Nem sempre percebemos. E penso se não é desperdício de neurônios antes de dormir parar pra pensar sobre o dia. Tento muitas vezes não compreender o que se passou, ma entender como eu lidei com tal situação. Ver qual de mim tomou a dianteira, lidou com a situação, o que aprendemos e como deixamos o dia seguinte preparado. Na maioria das vezes, percebo, fico como que sentado observando a incapacidade de me definir. Rimos às vezes. Mas também, às vezes, percebo que estou preso no caminho e que tal definição é impossível. Por vezes não consigo me reconhecer nas situações que vivo. Frustrante. Quando chego a um ponto assim, relembro como tenho articulado as coisas no eu que apenas eu conheço, que é o feito na minha pequena historinha de vida. E percebo que eu mesmo não me reconheço às vezes. Compreendo que situações me moldam e que eu aceito ou não entrar nesta forma. E quando não aceito, eu luto pra que eu caiba no espaço que sobrar. E fico bem, sem as projeções de outros pra que eu aceite como são. E sempre ouço àqueles que podem dar uma visão de fora. Não busco traçar o que sou, mas tento saber por essas vozes com quem eu lido quando estou sozinho.

A imagem é um autodaguerreótipo

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O sonho




"Sonhe com aquilo que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida
e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que quer.

Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.

As pessoas mais felizes não tem as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor das oportunidades
que aparecem em seus caminhos.

A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem
a importância das pessoas que passaram por suas vidas".

Clarice Linspector

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Pode não ser só comigo



Ao abrir os olhos notou a respiração ofegante, e o ambiente, que era escuro, aos poucos ia se revelando em contornos e traços envultecidos. Pouco a pouco foi se situando, percebendo o local que estava, a hora quase certa e a temperatura que fazia. Um pouco mais de pensamento foi preciso pra perceber que despertara. Mas havia mais. Ironicamente o sonho se tornou realidade. Nêle, estava trabalhando quando colegas notaram que sua pele brilhava. Sentiu o suor começar a escorrer, como quem nota o sangue antes da dor do corte, e então lhe perguntam: "Você está bem? Parece que está suando muito anormal". Ele, pressentindo o porvir, adiantou sua psicologia e se preparou, advertindo aos demais presentes: "Estou mesmo, é verdade.. não consigo mais o controle de tudo, vou desmaiar". E ao desmaiar em sonho este acaba acordando do sono, interrompendo abruptamente o sonho e seu contexto freudiano. Acontece que sim, o sonho interioriza situações de estresse que assustam no sentido de algum dia não conseguir mais se centrar e ponderar. Mas dai para acordar ao desmaiar é demasiadamente curioso. Fica a dúvida, como que roteirizada hollywoodianamente, se o desmaio levou do sonho à realidade ou se a realidade já se transformou em sonho. E pode não ser só comigo.

A pintura é de Füssli, 1781.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Pra minha Dulcinéia del Toboso



 
Sei que vê esse meu jeito de pessoa liberada, mas não sabe que por dentro não é isso, eu não sou nada. Se tenho ares de serpente, em casos de amor sou pequeno, sou carente, sou tão frágil, sonhador. Sei que me pinto e me disfarço, sou companheiro do perigo; até me solto em sua festa, mas sozinho eu não consigo. Digo coisas que não faço e faço coisas que eu não digo. Quero ser o seu amado, não somente seu amigo. E toda vez que eu sinto um beijo seu na minha face, eu luto pra manter o meu disfarce e não deixar tão claro que te quero. Cada vez se torna mais difícil meu teatro. Não da mais pra fugir do seu contato. Estou apaixonado por você. 

Obs: Escrito assim, a música popular também toma uma sensação boa. A música "Meu disface" é de autoria de Carlos Colla e Chico Roque

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Há um segundo tudo estava em paz



Quem conhece as lendas do bom blues sabe que é na encruzilhada que se faz o pacto com o diabo. Ali, cava-se um buraco e deposita-se alguns pertences: são as batidas na porta do inferno. Vertida a alma ao diabo, o blues então corre solto pelas veias do vendido. Metáfora perfeita para nossas decisões: as mais dificeis - nos ensinam - custam coisas que amamos e não são desfeitas. A vantagem é que dali pra frente o sucesso é absoluto, até que o diabo reclame sua alma, vendido no momento do pacto. Verdades: a encruzilhada guarda segredos pois o homem não quer um caminho, quer vários. Nela enterramos pedaços de nós porque queremos partes inteiras que não podemos ter. Nela fica o que mais amamos. Nela voltamos sempre. Pena haver apenas uma alma para se vender.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Auto retrato




Se auto retrato, não saberia definir o velho, nem o menino, nem o moço. Não saberia como falar sobre eles. E se o faço, é com bastante timidez. Fato é que este post é para me conhecerem um pouco. O Velhosantiago é este ai, do daguerreótipo acima. Sim, não é uma fotografia, é um daguerreótipo. Não é uma foto antiga, pelo contrário, é novíssima, feita em julho de 2011 por uma técnica de 1837. Raridade, não? Bem, desde pequeno durmo tarde. Mãe que tenho bem que tentou que tomasse jeito esse moleque - "fecha os olhos que o sono vem". Mas... fecho os olhos e pipocam sonhos realizados, vontades deixadas pra depois, realizações que me alegram, minha camiseta nova que quero usar amanhã. Sou do impossível ao absurdamente simples. Da leitura fácil à incompreensível (que abandono quase de imediato), dos filmes em fullhd ao nosso querido Corinthiano, o Mazzaropi. Sou da água ao vinho, seco, do café - este sempre quente, claro - ao pão com manteiga que gosto muito. Escrever não é um dom, nem exercício, como pensei que seria ao criar este blog. Tornou-se fuga (sim, Pipa, desta vez fuga). Do quê? Deixo assim, subentendido. Por isso deixo a porta sempre aberta. Por que não tem hora pra ser Velhosantiago.

Ps: notaram a chícara de café que seguro na imagem acima? Detalhes... e hábitos que vocês conhecem mais do que ninguém.

domingo, 21 de agosto de 2011

Planos pra quando o amanhã chegar



Fazia exatos 22 dias que ele havia comprado aquela garrafa de vinho que tanto gosta. Estava fechada há 18 quando entendeu que deveria abrir. Pizza de marguerita, um clássico no bluray e a noite foi feliz. Apesar do calor. Planejador, escolher a pizzaria a dedo, o filme após 1h olhando aquelas prateleiras deixadas de lado, como se não tivesse mais valor, foi como um exercício de sobrevivência. Como treinam os exércitos dias e noites na selva ou deserto frios, eu treino com esses prazeres que a modernidade, a pizzaria delivery e a locadora no quarteirão de casa me proporcionam. Dois dias depois veio o frio. A garrafa já estava vazia, ainda há dois pedaços de pizza na geladeira e o filme ainda na lembrança. Pra valer o frio que chegara, resolvi esquentar meu capuccinno. Precisei ponderar pra entender que por mais que a gente plenaje, se esforçe e tenha prazeres, sempre alguma coisa ainda fica pra depois. Neste caso foi o frio. Mas tenho medo que essas passagens como que bobas possam ser sentimentos ou desejos por vezes anulados inconscientemente. O frio demorou dois dias... Tenho medo que algumas coisas custem uma vida toda pra chegar.

domingo, 14 de agosto de 2011

O que você vê, saudade?



Na imagem acima, o que vê? Se bem atento, creio que a maioria pensará algo como um anjo ajoelhado e uma mulher santa, Maria provavelmente, ao fundo uma provável janela, com uma vista bonita. Se culto, logo dirá - "é um Botticelli, claro!". Em todo caso não credito que a resposta seja algo como - "vejo cores, vejo traços que formam figuras, vejo disposição das formas e das cores". E é, justamente, apenas isto que se vê. Não se vê o que se vê, tais figuras não estão ali. Mas as vemos por vemos coisas que nos fazem enxergá-las. Ver, neste caso, é olhar para o que não está lá. É perceber um mundo que não é o próprio mundo, mas uma maneira de mostrar aquilo que se faz ideia. É re-apresentar algo que de fato existe ou existiu, presumo. Quem nota uma ausência - pura sensibilidade - enxerga algo que não se vê. Vê que faltam tais formantes e, justamente por não ver, percebem aquilo que nasce da diferença: o sentido. Faz sentido não saber de uma pessoa e notar sua ausência justamente por não estar lá aquele traço, aquela cor, aqueles textos ou imagens que sentimos nascerem dela. Anunciamos, assim, nossa saudade. Para a semiótica, só temos o sentido de saudade porque temos sua diferença. E é ai que entendemos o que não se entende: se saudade é "Recordação nostálgica e suave de pessoas ou coisas distantes, ou de coisas passadas" como se convencionou (lembrado pelo Michaelis), como explicar a saudade que sentimos de quem está dentro da gente? Tão mais perto impossível.

Fulga

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Daquelas lembranças



É estranho conhecer e ser desconhecido. Ter amigos* que jamais seriam amigos entre eles, saber que tens amigos - tão presentes em suas fotografias - e saber que és um amigo tão ausente nas minhas (e eu nas suas). Não temos imagens juntos, existimos? Não somos fora das nossas químicas lembranças e silenciosas relações. Parece segredo. E algumas coisas são melhores ficar como estão. Saber é bom que em nossas capacidade de olhar só nos vemos se olharmos para dentro, não como quem vê pura e mecanicamente, mas como quem busca o quê ver; e, nesse caso, não somente como quem busca uma imagem, mas uma lembrança que pode ser um cheiro, um som, uma palavra escrita ou uma sensação que já passou. Talvez seja mais forte o te sentir pois desprezávamos quaisquer forma mecânica de nos lembrar-mos um ao outro. Talvez seja mais fraco porque somos constantemente trapaceados por nossa química memorial - e mais e mais com o passar dos tempos. Mas eis que, de repente, algo me faz lembrar você e - talvez por parecer absurdo - sua presença vem à tona. Confesso que acabamos vivendo muito mais: sem saber se foi vivido ou inventado, você aparece de um jeito certo ou errado. Seja como for.

*Dedico aos amigos que tiveram uma infância e adolescência felizes sem máquinas fotográficas, filmadoras e celulares por todos os lados...

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Cafés, cafés e cafés



Café é café e ponto. E isto está certo. Mas há cafés e cafés. É preciso um exercício para saber saboreá-los. Há Cafés que oferecem o prazer da degustação. Há cafés para esquentar, para matar a fome e há Cafes nos quais meninos não deveriam entrar, talvez pelo excesso de Cafe(t)ina. De qualquer modo, para um serzinho já crescido, os cafés variam em seu aroma, textura e persistência no paladar. Em minha última, pedi um Sul de Minas e um Bahia. Curtos. Vieram e, intercalando com breve gole de água com gás, meu sabor foi de alegria. O primeiro dos dois, encorpado: como uma jovem de pele firme e cabelos grossos, mas lisos, calças coladas ao corpo e um top branco por cima da pele escura, contrastando com sua beleza. O outro, suave, mas sedutor: como uma loira bronzeada de praia, com seus cabelos de luzes invertidas e de biquini de seda, bem leve e suavemente encaixado aos seus entornos. Conto isso degustando meu bom e velho capucino enlatado, tipo cinema americano dos anos 80 ou das novelas mexicanas. Mas ainda faço uma receita especialmente com você, Sul de Minas.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

O menino, o moço e o velho

"Não sei como começou. Não sei se foi o capricho de um garoto escondido no corpo de um velho, ou o ideal de um jovem refletido no olhar de um adulto".



Assim começa a narrativa do filme O Estudante, um filme espanhol, de Roberto Girault. Primeira indicação que dou. Quem assistir entenderá o porquê. Bem... pelo começo da narrativa já dá pra se ter uma ideia... não? Ah.. há também o Santiago, um dos protagonistas do filme. Falar mais estraga.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Pra uma namorada



Eu penso em como superar a falta dela, mas oro para que seja ela a pensar sobre isso. Penso em como dimunuir a dor, minha ou dela, a que doer antes. Penso em como as coisas não estão mais como eram. Penso em como a gente viveu, como tudo passou, como sobrevivemos a tantas coisas. Penso, mas no limite daquilo que chamo de lembranças - fracas e cada vez mais duvidosas.

Penso em como o tempo foi bom, em como as coisas se ajeitaram. 

Penso nas besteiras que fizemos. E nas que superamos. Penso sobre como temos nossa beleza amadurecida, nossos corpos e rostos. Penso que beber água, bastante água, foi bom. Evitar comida ruim também. Penso nos filhos que tivemos. Próprios ou não. Penso no que construímos, no que pudemos comprar. Casa, carros, máquinas fotográfica e bolsas. Penso como foi dificil o começo: emprestar, parcelar, herdar, dividir para somar. Penso na ajuda que nossos pais deram. Penso no nosso amadurecimento profissional. Em nossas escolhas e aptidões. Nos valores que nos demos. E nos respeitamos. Penso como foi o começo, primeiros empregos, segundos, concursos. Passeios! Penso na primeira noite em nosso apartamento.

Nas passagens pela frente acompanhando, tijolo a tijolo (pré-fabricado) aquele cantinho - "simples, mas é nosso", como ela me disse certa vez - se erguendo. 

No que passamos para tentar - e viver - esse sonho. Penso em quando ainda jogávamos horas fora com filmes chatos ou de medo. Capucinos inventados, vinhos que só eu tomei. Penso em quando andávamos de mãos dadas e era estranho. Quando numa rua, que era minha, a vi pela primeira vez. Penso quando sonhava com alguém entrando em minha vida, por passagem em minha cidade. E me levando. E assim foi. Penso quando procurava você e não entendia que o tempo não era aquele. Penso como sofria. Queria, sabe. Já estava me preparando. Penso quando beijei outras bocas e todas me foram estranhas. Só a sua me acolheu. Penso quando não pensava no meu primeiro amor. Vergonha.

Penso quando salvava planetas, cidades, era super-herói - ao lado do meu pai - sem conhecer as super-heroinas que são as mães. 

Penso quando praticamente não pensava: eu sentia texturas, temperaturas, geometrias. E olhava como quem olhava pela primeira vez. E era, então, novamente bebê-criança. O bebê Santiago. E, então, eu era apenas uma barriga grande e quente. E já tinha o mundo em meu coração: esperava por você. Pra você quardei o amor que pude dar. 

(Versão com meu amigo Marcelo Araújo e Haline)


 

terça-feira, 7 de junho de 2011

Jardim



E meu amor cresceu assim
Beirando seu muro alto
Bebendo da água que me jogavam.

E por amar assim
O jeito foi crescer
Entendendo que somos opostos.

E orando, sempre
pra que aquilo que nos aproximou permitisse
Que as diferenças fossem, na verdade, complemento.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Coisas novas



É das coisas novas que precisamos, não é? Quero uma nova marca de capuccinno. Um novo e mais suave creme pra ter em cima. Quero um novo pão-de-queijo pra acompanhar. Uma nova companhia como a de vocês, meus velhos e velhas amigos, mas sem essa cara lavada de que nada mudou. Uma nova uva pra dela ter um novo vinho. Quero a docura de um beijo novo. O sabor de um novo amor. A esperança de uma nova vida in-tei-ri-nha pela frente. Quero a lua nova, o sol novo da manhã. um sorriso novo, que eu não conheça: quero pra decifrar. Aquele olhar ainda não me olhado. O pão estranho que desconheço o sabor. Quero a roupa nova. De novo, quero tudo agora. O que mais sinto falta não é da novidade, é da falta do que saber ser o novo. Todo dia algo novo acontece. Me faça um favor? Pois me conte, quem por aqui visitar, o que de novo lhe aconteceu. Então tragaremos.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Que seja assim, é o que eu quero mais



Quando eu abrir os olhos pela primeira vez hoje, que seja para sorrir pelo beijo no rosto que você me deu. Mas se o motivo for outro, que seja para eu lhe dar um beijo para aliviar sua dor. Na hora do café, se me estendes daquele pão, que seja para dissolvê-lo em sabor em minha boca. Mas se não for por isso, que seja para agracermos, juntos, à Ele pelo pão, mesmo que um pouco amanhecido. Chegando no trabalho, que minhas primeiras palavras ditas sejam para matar a saudade de um dia longe dos colegas de profissão. Se não forem minhas, que as primeiras palavras escutadas reflitam este meu desejo. Ao correr do dia, que todas as situações se resolvam por sí mesmas. Mas se demasiadamente pesadas se apresentarem, que nossas forças, unidas, sejam o suficiente para levantá-las e afastá-las do nosso convívio. Que meus alunos aprendam algo comigo. Ou então, acaso não forem suficientementes adequadas minhas palavras, que eles me ensinem algo de útil, e que eu aprenda com eles. Que no caminho de volta pra você meus pensamentos sejam carinhosos, amorosos e ardentes. Ou então que sejam suficientemente adequados para apenas estar ao seu lado. Que seja assim, é o que eu quero mais.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Primeira da parede



Semana passada, ao chegar em casa, destranquei a porta e a abri. Parei, olhei para o que via e pensei: não há fotos em minha parede. Nem sobre o móvel da televisão, nem no quarto. Não há fotos! E no entanto há tantas e tantas fotos! Essa, acima, será a primeira enquadrada e pendurada na parede. Não sei porque essa, mas será ela. Ela me toca. Foi tirada às 18h do dia 16. Estava indo para Araçatuba-SP ministrar aula.Queria apenas registrar a lua, clareante, tendo a sua frente os fios, que fornecem energia para clareação, fazendo um trocadilho imaginário bobo. Os pássaros (note bem os vultos, próximos à lua) saíram ao acaso. Foi preciso escurecer para que a lua se iluminasse, senão ela sai só um borrão claro. E ai é que está minha metáfora atual. Acho que é ai que gosto da foto. Andei me escurecendo para poder me ver. Graças a isso, algumas sombras se revoltaram, elas apareceram. E sinceramente? Eu me importei com elas. Elas dizem coisas que eu já dizia a muito tempo. São como lamentações intermitentes, mas que eu não tenho mais paciência para tolerá-las. Gosto quando a lua cheia aparece, se mostra. Quando pendurar, mostrarei.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Desafio de luz



A fotógrafa e o artista travam uma batalha. Conseguirá ela, ao final dos seus modernos e quase infindáveis cliques digitais, conseguir captar aquela luz, tão exata como a de milhares de anos atrás, que o artista pensa em emanar? Pois sim, se o artista chega à alguém, o faz pela luz. E, se tal artista assim desejar, até posar é previsível. Porém, o previsível é produto barato, de nada tem valor, quer ela, aquela que quer aprisionar raios de luz, justo o oposto, aquilo que não se tem simples assim. Procura sempre o diferente do igual, sendo que este, diferentemente se si próprio, se forma justamente a partir do seu contrário. Da próxima vez, eles combinaram: ele, o artista, será previsivelmente imprevisível; ela, a captadora de luz, será rápida mais quase que a própria luz, será um segundo dividido por centésimos mais depressa. Com essa esperteza toda, espera ela prender, eternizar. Mas, para o público, eternizado fica o que não é por objetiva dela captado. Eternizado fica somente aquilo que pelo coração é guardado, que pelos olhos são turvados pelas lágrimas e que pelos ouvidos são transformados em imagens. O público lembrará é do cheiro, do som que orienta e distrai, da imagem quase apagada que é obrigado a completar com seu repertório de carinho e encantamento, se houver.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Das coisas que faço quando estou em casa



Levanto e ando 10 passos, distância do sofá até minha cozinha. O armário sobre a pia guarda um pequeno pote de capuccinno; ao seu lado, um saco de café solúvel granulado. Me viro, abro a geladeira, e confiro se há leite. Não há, há tempo não compro. Pego, então, a caneca e encho de água. Passo-a para uma caneca de metal que vai ao fogão. Não gosto de microondas. Esquento, sem deixar ferver. Três colheres de pó de capuccinno na caneca, despejo, lentamente, a água, enquanto mexo-a com a outra mão para dissolvê-lo. Terminado, ficou espumoso. É desses prontos, que já colocam espuma misturado ao pó. Aperto o pregador de roupas que lacra o saco de café solúvel granulado e solto-o da embalagem. Ele mantém o café granulado fresquinho, livre da ação do ar. Meio que polvilho sobre o capuccinno. Ele não afunda. Faço um balanço assim, com a caneca, para que uma movimentação circular do líquido aconteça dentro da caneca. O granulado em pó, então, se desfaz, mas continua heterogêneo. É aqui que conversamos. O granulado forma formas sobre a espuma. Eu formo meus pensamentos e os dissolvos na boca a cada pequeno trago.

sábado, 23 de abril de 2011

Pequeno tempo do coretinho



Foi em volta desse coretinho que corría enquanto segurava, com uma das mãos, um cordão amarrado a uma bexiga flutuante; com a outra, agarrava um saquinho de pipoca doce, toda colorida. Coretinho pequeno, talvez pequeno também o mundo. Tantas pessoas são recebidas por essa cidadezinhas nos tempos de férias, e nestas ilhas de distância nunca fiz uma saudade doída. Sinto-me triste por isso. Sinto como que se passou e só. Faltam marcas como daquele amigo a quem esperar, aquela menininha a quem ver passar, falta um pedacinho do viver que gastei, fora do ambiente familiar, apenas nesse coretinho. Pois sabe que outro dia uma rapaz me Facebookeou: "Por certo você não se recorde de mim (...) Eu jamais iria reconhecê-lo se não visse uma mensagem de sua prima pra você". Ele, amigo também de minha tia, se lembrou do meu eu menino, "catatau", como chamou, na casa da minha avó, cidade deste coretinho. Tivemos tempos diferentes. Ah, peço que se alguém aqui passar férias, que corra comigo em torno desse coretinho. Eu estou sempre por ali, carregando a bexiga flutuante e a pipoca colorida.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Daqui me lembro de você ai



Acabo de dar minhas aulas de rádiojornalismo, em Araçatuba-SP, para alunos do 2º ano do curso de jornalismo. Na ida para o hotel, parada na Av. Brasília para este clique, acima. É que daqui me lembro de você ai, caro amigo. Ele, certamente, passou muito por essas avenidas. O conheci na universidade, há 10 anos. Se tornou um amigo. Mais que isso, se tornou uma música na lembrança, daquelas que se cantarola sem notar. Meu amigo em minhas lembranças se tornou um verso de uma canção que muito escutamos: "Take a shower shine your shoes, You got no time to lose". Ele levou mais a sério o que cantamos. Eu me apeguei a outro trecho, um pedaço de conselho que diz que mesmo com meu destino nos ombros eu não saberia o que fazer com escolhas tão contraditórias. Poucas coisas fizeram tanto sentido assim pra mim. Daqui da minha janela do hotel não há espaço pra que meus olhos lhe mostrem um pouco da tua saudade, amigo. Contente-se com a imagem acima, fruto de minha paradinha frente ao hotel. Imagem banal, eu sei; mas tenho certeza que ela é uma peça dum quebra-cabeças maior, que seu coração agora vai tentar remontar a noite toda. Gosto de causar saudades.

Abaixo, a música em questão. 

domingo, 3 de abril de 2011

Nesses 30



Daqui, de cima do meu 30º andar da vida, noto um vai e vem constante dos meus pensamentos e sentimentos. E rio, de orelha a orelha, pois vejo o quanto eles estão desalinhados comigo. Me sinto cada vez mais criança e no entanto estou cada vez mais velho. E moço que sou vejo essa falta de sintonia toda e rio, novamente, de toda essa situação. É que, moço, não me acostumei com coisas cotidianas e simples, que já deveria encarar com naturalidade, com um pouco daquilo que ousamos chamar de maturidade. Ainda arrepio quando, por exemplo, da firmeza com que as pessoas dão suas opiniões. E rio por dentro, reforçando minha total vontade de dizer "que se lixe isso tudo". Talvez já tenha, desde menino, ultrapassado essa necessidade absurda de mostrar alguma coisa a alguém. Eu, desde que me lembro, só quero ter meu tempo, andar no meu ritmo, parar quando quero. Claro que compartilho alguns passos, e até gosto. Mas não gosto que meus passos sejam partilhados entre aqueles que pouco se dão para mim. E é então que eu páro, e rio. Rio sempre, desde sempre. Rio agora e, sorrindo, compartilho com os amigos, que aqui param para um café, um pedaço da metade do meu 30º bolo. Metade porque a outra metade já havia sido comida (na noite anterior ao aniversário propriamente dito) por dois maravilhosos sobrinhos que amo tanto. E sabe que mais? Sobraria mais bolo em meu coração para todos se eles o tivessem devorado todo, pois ai eu só teria meu peito para guardar os pedaços que aqui lhes ofereço.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Saudade do abraço teu



Pouco meus pés pisavam o chão. Era colo pra cá, colo pra lá, sempre um nó nos braços envolvendo o pescoço de alguém. Saudade daquele abraço que era seu. Saudade do meu próprio abraço, que deixou de ser só meu. Hoje eu não tiro mais os pés do chão, meus braços pouco servem para um nó mal dado. Abraçar por amor é diferente, não dá nó nos braços, prende mais é o coração. E que falta eu sinto em ter meus pés levantados, minha camiseta puxada pra cima, aquele apertão em volta de todo meu corpo. Hoje os braços estão menores, mas sei que é meu peito maior. Então tenho que abraçar envolvente assim é com o coração. Mas aqui, baixinho? Seu calor por algum tempo me protegendo, seu aperto me envolvendo, seus pés levando os meus a caminhar por ai, seguindo apenas sua trilha e confiante de estar indo para algum lugar seguro. É abraço de mãe, de pai, de tia e de tio, de amigos, vizinhos queridos que hoje são como ensaios de aquarela em minha mente. Mas saiba, sempre que fecho meus olhos e lembro de vocês meu pés voltam a sair do chão.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Quanto mais velha a criança, mais criança haverá no velho



A criança só permanece no peito se o velho chegar em nossa vidas depois do chamado tempo, que nos marca de sua própria forma, chegar. Logo rio - e muito - pois sequer imagino o tempo certo de cada um: os brinquedos, se o são, quando são deixados pra nunca mais? O tempo quando é que diz a verdade? Meu hoje de hoje passou rápido, foi-se o dia que se esgana nesses últimos minutos de 11 de março. Queria estar com ela, que preferiu TV, e eu tinha lá minhas coisas a se fazer que estão me tirando da realidade literalmente. Por vezes o velho aqui precisa se lembrar que ainda traz uma criança dentro do peito, que vem equipada com confetes e serpentinas que sobraram do penúltimo carnaval. É passageiro, asseguro. Por hora, apenas instantes com os confetes; a maior parte das hora é preparando o desfile; suor, esforço, correria, incêndios que me fazem recomeçar. Mas não recomeço do zero: pisarei na passarela com a criança mais criança do que em toda a minha vida, apesar da idade não medida! E estendo minhas mão para quem quiser entrar na alegria, mas com uma condição, não há como não ser assim: é preciso esperar o preparo da escola de samba para pisar comigo na avenida. Bora lá trabalhar?

quarta-feira, 2 de março de 2011

Meu pequeno Gene Kelly



E são em dias assim, escuros, que noto certo brilho em suas brincadeiras. Elas soam como advertências quando fora de contexto mas penso que porque ainda me limito em saber. Como é limitado meu conhecimento, como pequena é minha mente. Vejo que meu pequeno Kelly já cantava na chuva em dias de sol, bem à frente da minha maturida sã que, ao menor sinal de chuva, se perde, calada num canto desses de quinas, e fica ali preguiçosa. Não me preparei pra sobreviver com aquilo que pra você era pra brincadeira. E depois que minha fase de brincar terminou, esqueci como se faz isso. Por isso hoje tenho certas dificuldades, medos. Quisera eu ter uma casa na árvore, hoje saberia morar em qualquer tronco. Quisera ter um carrinho de rolemã sem uma das rodas, andaria com qualquer carro. Quisera ter vivido sem videogame, me contentaria com qualquer tipo de brincadeira. Quisera ter amado mais, sofreria muito menos por amor.  

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Sobre a convivência consigo mesmo


E porque a gente é assim que a gente não leva de outro jeito. É obvio, é certo. Mas, no entanto, isso às vezes coalha meu café (vai leite nele).  De certo lá nos fios as andorinhas não se atrapalham com o calçado. Perceba que muito menos se misturam. A foto é minha, eu que fiz. Achei estranho e pensei sobre convivência mútua, no caso, do homem com si mesmo, como dois seres distintos: um quer estar junto ao seu íntimo, aos seus sentimentos naturais, àquilo que, de certa foma, se assemelha a ele mesmo; já o outro, este só lhe pendura os calçados nos fios. É natural que estejamos tão fora e dentro consigo mesmo? Penso nas implicações: euforia pela esquerda, alegria, partilha; solidão pela direita, reflexão, percepção de tempo alterado. Quando fico muito assim, pensativo, fazendo associações inimagináveis é que páro, olho no espelho e percebo o menino sorrindo, como se tudo isso fosse uma brincadeira dele (e o velho aprova)...

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Esses meus grandes pequenos



Dei por mim que tenho tido com muitos grandes pequenos que desconhecem sua própria natureza. Talvez seja eu um deles também. E creio que já treinei a olhar para pequenos que são grandes, grandes em algo que sequer chega ao calcanhar dos meus pequenos. Sei que este tamanho não é medido por metro, pés, o que for. É medido pela própria medida do homem enquanto ser, enquanto vida, enquanto fé. E falta fé em muitos por ai, com títulos de grandes e com grandes títulos. E sobra humanidade em tantos outros pequenos, estes meus grandes pequenos! Não seja imaturidade, não seja arrogância, não seja a dureza com que nos ralamos ao curar nossas feridas lambendo-as. Que seja aquele olhar perdido, desprezado, fraco e sem vida. Está ai um terço da grandeza humana: na sua falha, na sua fraqueza; é no seu oposto que vive meu desprezo pelo raso em salto de profundo, que dá com a testa no fundo da piscina, que come da areia que lhe entra nos dentes. Por isso faço questão antes do tempo vir: pego meus grandes pequenos e com eles escuto um último rock´n´roll do John: 

"Well we all shine on
Like the moon and the stars and the sun
Well we all shine on
Ev'ryone come on"

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Saia do meu caminho



Como se diz: "eu prefiro andar sozinho, deixem que eu decida minha vida. Não preciso que me digam de que lado nasce o sol pois bate lá meu coração". E mesmo assim, mesmo assim, quase todos eles não entendem o que isso quer dizer. O assunto é recorrente pois rotineiro. Fazem parecer que só se vai pra onde se quer quem quer ir pra lugar nenhum. Este, acima, é um dos meus caminhos. Araçatuba-Rio Preto, nas madrugadas de terça. Quando comecei, me animei: esperava surpresas, sensações, emoções consternadas e mistas de medo e alegria. Mas tudo - no trajeto - se tornou um tédio só. Salvo pelas rádios AM, com conteúdo inteligente e sinal ainda pré-histórico. Qualquer árvore ao lado desgraça o sinal. Chiado, chuviscos imaginários e desejos frustrados. O melhor é que é o caminho de volta. Na chegada, o estresse do dia seguinte agita meu coração e me tira o sono que adquiri pelo tédio dos caminhos sem graça percorridos.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Cartas - Para meu velho



 Demorei certo tempo para entender suas entrelinhas. São tantas! Por aqui algumas coisas têm dado certo, muito certo, e tu as sabes bem. Mas algo me inquieta profundamente. Sempre me inquietou, na realidade. Como lidamos com essa angústia? Tenho tido com outros sobre isso. E eles também o sentem, são por demais olhadores deste mundo tantas vezes miserável, têm a alma acima do nível desses alienados e estúpidos que entendem tudo aquilo que se é conceituado para ser entendido mesmo. Nunca vão além, são incapazes desde nascença. Estes, com quem tenho tido¹ e que são bons olhadores das coisas, tem os olhos perdidos, sentam-se sozinhos à mesa, pedem uma única coisa, não dividem a conta, por vezes sequer sorriem. E, no entanto, têm um universo dentro de si, e tem olhos que atraem toda a matéria luminosa para seu coração negro. É isso que sinto. E por mais que eu trague toda a luz das coisas perceptíveis, sensoriais e visíveis deste mundo ainda sinto que não será o suficiente. Talvez o buraco seja mais embaixo também.

¹ - http://renatomenezes.blogspot.com
http://vamosnessa.blogspot.com
http://lenhadormachado.blogspot.com

domingo, 23 de janeiro de 2011

Cartas - Do velho para o moço Santiago



Caro moço Santiago. Aqui, de cima dos tantos e tantos anos, me lembro de uma época apressada em sua vida. Sua pois não posso dizer "nossa": você ainda amadurecerá bastante no caminho para chegar aqui.Tal época - me lembro com sentimentos como se fosse ontem - foram de incertezas, escolhas e de delicadas e não muitas opções. Opções estas que você se cagou na ânsia de lidá-las, e que sei que em tal época já sabíamos que passávamos pelos nossos caminhos com medo. Depois que passamos da etapa do medo, muito mais presente na gente do que mostramos isso aos outros, eu passei a enfrentar com calma, qualidade esta que você está construindo ainda. Saiba que daqui tudo é muito mais calma e belo. Vejo com carinho cada uma das nossas escondidas no canto do quarto. Dai, dos nossos 20 e poucos anos, tenho certeza que você vai lidar com força e fé, rapaz, mesmo sabendo hoje ainda creio que desconhecemos nossa verdadeira força. Tivéssimos mais anos para mostrá-la, fariamos a revolução. Ao menos em nossos três corações. Saudades eu sinto deste seu tempo apressado, apertado, mas tão querido! E olhe lá, cuide bem das nossas coisas por ai, afinal, se as tenho com carinho aqui é porque eu soube lidar. Saiba também, meu querido!  

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Vem caminhar comigo?




O caminhar é metáfora do viver. E para 2011 tenho pensado para onde caminhar. Tenho trilhas fantasiosas por quase miraculósas em minha mente. Tenho tênis macio, apenas um, mas tenho. Tenho roupa de algodão, bom em qualquer lugar. Aprendi a me orientar pelas estrelas e a buscar no horizonte o estímulo para alcançá-lo. Dou um passo e o horizonte se afasta um passo. "Para que serve o horizonte? Serve para isso, para nos fazer caminhar". Prefiro companhia. Não gosto de caminhar sozinho embora eu ame minha única presença no espaço. Fico bem de qualquer jeito, apenas assumo papéis quando em companhia. Meu melhor é ser alguém que corresponde um pouco à expectativa do outro. Meu preferido é não ligar para papéis e não fico a vontade quando alguém assume um papel e diz ser ele mesmo. Para 2011 pensei em caminhar um pouco com cada um de vocês, amigos que aqui passam para buscar um pouco de café agora mesmo passado. E talvez isso seja outra metáfora do viver. Vamos?