domingo, 27 de abril de 2014

O segredo de quando nos falamos pela primeira vez


Aquele sorriso forte no rosto, os olhos tão abertos, os cabelos agitados. Sua voz, alta, tão nova para mim. Ainda apreendo seus traços... a sobrancelha simétrica, os orelhas escondidas pelo seu cabelo liso. Aqueles seus toques ocasionais em minha perna - e eu torcendo por mais deles. Os assunto se sucedem, falamos de nós, de coisas que estão mais próximas. Uma pergunta inesperada e é preciso buscar mais distante a resposta. Mas ela vem. E quando a ironia chega mais depressa, ou causa certo espanto, sua mão repousa por um pouco mais de tempo em minhas pernas - e eu torcendo para ela parar ali. O riso vem largo, nossas cabeças se inclinam para frente, ficamos pela primeira vez mais próximos do que nunca. Aprendi a saber a hora exata de falar um pouco mais baixo e forçá-la a se aproximar. Fiz parecer que o assunto era como a senha secreta de um tesouro perdido e você se aproximou para ouvir - e eu torci para que viesse mais perto do que realmente veio. Foi a segunda vez que senti seu perfume naquele dia. Não nos afastamos mais depois que o segredo fora revelado - e eu pensava como inventar um outro ainda maior. São os segredos que trazem os corações para perto.

*img da Sarina Lopes.  

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Naquela semana foi como nesses dias


Naquela vez foi a semana inteira. Ia para o banheiro correndo para não entristecer bem na frente das outras pessoas. Era assim no almoço, de tarde e também de noite. Quando chegava em casa e me deitava no chão da sala, era meu cume. Dava que, às vezes, acordava de madrugada assim também. Ou abria a geladeira e também acontecia. Experimentei umas coisas que via em filmes e achava que não acontecia com ninguém, que era ficção, tal. Até então não tinha ideia que aquilo acontecia de verdade. Aquela semana tem se repetido por esses dias, mas de formas pontuais. E tenho escrito aqui - desde aquela época - para que o velho, ao ler este moço, tenha certeza dos fatos e se conforte. Não entendo, me esforço para entender, mas não chego lá. Não tenho isso de tirar satisfação, de precisar confrontar. Se trago uma flor, se preparo surpresa de páscoa, se não limpo a casa do jeito que não me foi pedido, se não compro as coisas que não sei que acabaram, se a entrega da mesa atrasa ou se há água no hall de entrada na parte comum do prédio, não importa: tenho sempre que ser afrontado. Tenho buscado melhorar em tudo que me é pedido, passo uma vassoura na casa todo dia, lavo a louça todo dia, ajeito as coisas que estão aqui, ali, por lá. Mas juro que se tivesse mais espaço eu organizaria aquele canto da bagunça. Ela sou eu, ela está lá para aquela tarde vazia eu ligar a guitarra e seu amplificador pesado. Tudo está no seu lugar. Mas esse lugar já não é só meu. Queremos caber aqui, percebe? E se acerto aquele canto, outras coisas serão afrontadas. Tem sido assim.

terça-feira, 1 de abril de 2014

Aquela menina


Estava sempre sorrindo, intermediando conflitos, trazendo paz. Os cabelos longos, o sorriso aberto, o aparelho nos dentes, a perna grossa, outro sorriso. Aquele olhar de quem vai fazer algo correto, hoje, traz boa saudade. Foi há longo tempo. Caíram muitas árvores, construíram novos quarteirões, ela mudou de cidade, de Estado. Cresceu. Cresci também. Mas quando o menino traz essas lembranças inesperadas ao velho elas vem bem-vindas, embora tragam overdose de melancolia. O remédio é o tempo. Aquela menina não sabe, mas há muito não vivido nesse lapso temporal. Aquela menina, hoje, me visitou. E trouxe novidades: eu soube que está indo e fico muito feliz por isso.