quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Há um segundo tudo estava em paz



Quem conhece as lendas do bom blues sabe que é na encruzilhada que se faz o pacto com o diabo. Ali, cava-se um buraco e deposita-se alguns pertences: são as batidas na porta do inferno. Vertida a alma ao diabo, o blues então corre solto pelas veias do vendido. Metáfora perfeita para nossas decisões: as mais dificeis - nos ensinam - custam coisas que amamos e não são desfeitas. A vantagem é que dali pra frente o sucesso é absoluto, até que o diabo reclame sua alma, vendido no momento do pacto. Verdades: a encruzilhada guarda segredos pois o homem não quer um caminho, quer vários. Nela enterramos pedaços de nós porque queremos partes inteiras que não podemos ter. Nela fica o que mais amamos. Nela voltamos sempre. Pena haver apenas uma alma para se vender.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Auto retrato




Se auto retrato, não saberia definir o velho, nem o menino, nem o moço. Não saberia como falar sobre eles. E se o faço, é com bastante timidez. Fato é que este post é para me conhecerem um pouco. O Velhosantiago é este ai, do daguerreótipo acima. Sim, não é uma fotografia, é um daguerreótipo. Não é uma foto antiga, pelo contrário, é novíssima, feita em julho de 2011 por uma técnica de 1837. Raridade, não? Bem, desde pequeno durmo tarde. Mãe que tenho bem que tentou que tomasse jeito esse moleque - "fecha os olhos que o sono vem". Mas... fecho os olhos e pipocam sonhos realizados, vontades deixadas pra depois, realizações que me alegram, minha camiseta nova que quero usar amanhã. Sou do impossível ao absurdamente simples. Da leitura fácil à incompreensível (que abandono quase de imediato), dos filmes em fullhd ao nosso querido Corinthiano, o Mazzaropi. Sou da água ao vinho, seco, do café - este sempre quente, claro - ao pão com manteiga que gosto muito. Escrever não é um dom, nem exercício, como pensei que seria ao criar este blog. Tornou-se fuga (sim, Pipa, desta vez fuga). Do quê? Deixo assim, subentendido. Por isso deixo a porta sempre aberta. Por que não tem hora pra ser Velhosantiago.

Ps: notaram a chícara de café que seguro na imagem acima? Detalhes... e hábitos que vocês conhecem mais do que ninguém.

domingo, 21 de agosto de 2011

Planos pra quando o amanhã chegar



Fazia exatos 22 dias que ele havia comprado aquela garrafa de vinho que tanto gosta. Estava fechada há 18 quando entendeu que deveria abrir. Pizza de marguerita, um clássico no bluray e a noite foi feliz. Apesar do calor. Planejador, escolher a pizzaria a dedo, o filme após 1h olhando aquelas prateleiras deixadas de lado, como se não tivesse mais valor, foi como um exercício de sobrevivência. Como treinam os exércitos dias e noites na selva ou deserto frios, eu treino com esses prazeres que a modernidade, a pizzaria delivery e a locadora no quarteirão de casa me proporcionam. Dois dias depois veio o frio. A garrafa já estava vazia, ainda há dois pedaços de pizza na geladeira e o filme ainda na lembrança. Pra valer o frio que chegara, resolvi esquentar meu capuccinno. Precisei ponderar pra entender que por mais que a gente plenaje, se esforçe e tenha prazeres, sempre alguma coisa ainda fica pra depois. Neste caso foi o frio. Mas tenho medo que essas passagens como que bobas possam ser sentimentos ou desejos por vezes anulados inconscientemente. O frio demorou dois dias... Tenho medo que algumas coisas custem uma vida toda pra chegar.

domingo, 14 de agosto de 2011

O que você vê, saudade?



Na imagem acima, o que vê? Se bem atento, creio que a maioria pensará algo como um anjo ajoelhado e uma mulher santa, Maria provavelmente, ao fundo uma provável janela, com uma vista bonita. Se culto, logo dirá - "é um Botticelli, claro!". Em todo caso não credito que a resposta seja algo como - "vejo cores, vejo traços que formam figuras, vejo disposição das formas e das cores". E é, justamente, apenas isto que se vê. Não se vê o que se vê, tais figuras não estão ali. Mas as vemos por vemos coisas que nos fazem enxergá-las. Ver, neste caso, é olhar para o que não está lá. É perceber um mundo que não é o próprio mundo, mas uma maneira de mostrar aquilo que se faz ideia. É re-apresentar algo que de fato existe ou existiu, presumo. Quem nota uma ausência - pura sensibilidade - enxerga algo que não se vê. Vê que faltam tais formantes e, justamente por não ver, percebem aquilo que nasce da diferença: o sentido. Faz sentido não saber de uma pessoa e notar sua ausência justamente por não estar lá aquele traço, aquela cor, aqueles textos ou imagens que sentimos nascerem dela. Anunciamos, assim, nossa saudade. Para a semiótica, só temos o sentido de saudade porque temos sua diferença. E é ai que entendemos o que não se entende: se saudade é "Recordação nostálgica e suave de pessoas ou coisas distantes, ou de coisas passadas" como se convencionou (lembrado pelo Michaelis), como explicar a saudade que sentimos de quem está dentro da gente? Tão mais perto impossível.

Fulga

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Daquelas lembranças



É estranho conhecer e ser desconhecido. Ter amigos* que jamais seriam amigos entre eles, saber que tens amigos - tão presentes em suas fotografias - e saber que és um amigo tão ausente nas minhas (e eu nas suas). Não temos imagens juntos, existimos? Não somos fora das nossas químicas lembranças e silenciosas relações. Parece segredo. E algumas coisas são melhores ficar como estão. Saber é bom que em nossas capacidade de olhar só nos vemos se olharmos para dentro, não como quem vê pura e mecanicamente, mas como quem busca o quê ver; e, nesse caso, não somente como quem busca uma imagem, mas uma lembrança que pode ser um cheiro, um som, uma palavra escrita ou uma sensação que já passou. Talvez seja mais forte o te sentir pois desprezávamos quaisquer forma mecânica de nos lembrar-mos um ao outro. Talvez seja mais fraco porque somos constantemente trapaceados por nossa química memorial - e mais e mais com o passar dos tempos. Mas eis que, de repente, algo me faz lembrar você e - talvez por parecer absurdo - sua presença vem à tona. Confesso que acabamos vivendo muito mais: sem saber se foi vivido ou inventado, você aparece de um jeito certo ou errado. Seja como for.

*Dedico aos amigos que tiveram uma infância e adolescência felizes sem máquinas fotográficas, filmadoras e celulares por todos os lados...