segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Pendure



Sabe aquela folha em branco na qual você não consegue escrever nada? Tenho tentado há horas pendurar algo nesse varalzinho ai e não consigo. Queria criar uma metáfora, como qualquer uma dessas tantas que tenho feito, mas nada sai. O que quer sair é outra coisa... Mas, por respeito, praticamente calo o velho pra ele não dizer o que pensa. Velhos são assim, dizem como se nada tivesse peso ou consequência. Tento ponderar, mas vem o menino de nós dois e fica apertanto a tecla que faz o hominho do jogo pular, pular e pular. Então preciso voltar o texto e corrigir. Vai, volta... Por exemplo, angústia. Como pendurar isso ai? Esse pregadorzinho não segura. E se por alguma felicidade? Os arames brigariam por ela e eu voltaria com quase o mesmo problema, só que agora sem onde tentar pendurar. Assim tanto um quanto outro ficam fora do varal, na bacia que levei até lá. Essa bacia, pra minha infelizmente, é minha parte de dentro. Tudo fica dentro. E hoje nada quer ser pendurado. Quando levo pra estender, veja que azar, volto com a roupa suja.  

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

De onde vem não sei



Cabelos agitados ao acaso. Negros, mas parecem iluminar.
Seus ouvidos, autivos, prospectam antes.
Olhos, dois olhos negros. Se fecham: aprenderam a ver.
Para o que, não faz diferença. Não são jaboticabas.
Frescor sente. Perfume para o amanhecer. 
Na lingua: sopa de músculos.

Pescoço cilíndrico, quase seu pulso.
Ombros duros. Pele e osso revestem.
Braços sem caldo, punhos cerrados, mãos delicadas, não se sente. 

Não traz em seu seio alimento algum. O que traz não alimenta. 

Na cintura, cordões sustenta. Calça frouxa, leve. Mais barata.
Joga assim, caudalosa. Mas de onde vem eu não sei.
Joelhos semiflexionados. Querem saltar os ladrinhos ímpares.
Pés como que feridos, cambaleiam sua anca farta.

E por dentro... bem, por dentro é só um coração. Resto oco. 

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Abre logo



O presente chegou. O menino teima em não abrir. Abre logo! Mas ele não abre. Desde que pegou em cima da cama (era muito grande para por embaixo) ele não solta. Corre com ele pra lá e pra cá. Tente enfiar sob a cama, mas não entra. Tenta guardar dentro do cofrinho, mas não passa. Tentou a geladeira pra não estragar, mas ela é pequena. E temos que olhar este menino pra lá e pra cá com seu enorme embrulho fechado sendo carregado sobre a cabeça pequenina e loira. Diz que só vai abrir quando o presente quiser sair. Eu e o velho estamos tristes, mas não transparecemos para o menino. Não entendemos a razão disto tudo. Já faz muito tempo pra gente se lembrar dos motivos... Se o menino não contar, vai ser difícil a gente saber. O velho às vezes me diz "deixa de bobagem, já isso passa". Mas é angustiante vê-lo tão descontentamente contente com um presente fechado. De tão inacessível seu conteúdo, quase chego a duvidar de tê-lo eu mesmo embrulhado e posto uma linda surpresa ali... Parece que aquilo nunca foi sequer aberto, meu Deus. E sabemos que caixa de presente na mão de criança é uma das existências mais efêmeras da face da Terra. 

Agora ele bota a caixa sobre a cadeira e senta-se sobre ela pra lanchar. Diz que é mais fácil pra, pequeno que és, comer sobre a mesa.

*(uma homenagem a todas as criança neste dia tão especial).

domingo, 9 de outubro de 2011

É saudade?



Café novamente para abrir este post. Mas sabe porque? É que me dei conta de algo que creio que você também não se deu. O café abre nossa semana, não? Recorremos à ele praticamente todas as semanas, em algum dia. Mas perceba além. Abrimos a semana com café porque abrimos o dia com café. Abrimos com café o que, a semana ou o dia? Pois é. Se sinto saudade, sinto de que tempo: do hoje, que sei sentirei sua falta, ou da quarta que sei que não a verei? Da quinta, da sexta... ou é saudade apenas do primeiro dia? E esse primeiro dia abre o quê? O primeiro dia da semana ou o primeiro dia de toda uma vida? Começar o dia com café é certamente uma das certezas da vida.