quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Primeiro Encontro


Distante, ela sorri. Próximo, ela retribui mais uma vez o sorriso. Ele pensa o significado de um sorriso. Conclui que um sorriso é um sinal de aprovação ou ao menos algo que o valha. Ele se aproxima e invade aquele espaço mínimo que todos têm, o limite no qual, se ultrapassado, ficamos sem jeito. Passa então a mão pelas suas costas e sente um leve afastar. Não pergunta o nome dela e solta algumas palavras ao pé do ouvido que serão mal compreendidas. - "Você tem um sorriso bonito. Será que eu poderia mantê-lo em seu rosto depois que sairmos daqui?". Educadamente, ela responde que já está sorrindo ali. Ele consente, mas abre que ali ele sabe que ela está sorrindo, e que havia dito se depois daquele momento ele poderia manter aquele sorriso. "Eu namoro", ela diz. Ele oferece então um café, e deixa claro que quando se namora e se sorri assim, talvez, seja um momento no qual se pode dividir experiência, carinhos e afetos, criar quem sabe laços de amizades. Ele não quer perder aquele sorriso. Mesmo depois da última tentativa, ela se eleva a um status alto de popularidade argumentando que, caso vissem-na com outro em algum ponto daquela grande cidade, poderia ser mal interpretada. Ele se afasta sem lembrar da última palavra que havia dito. Apesar da contradição dos sinais e intenções dela, ele leva a boa impressão deixada pela educação com que ela lhe falava. 

*inicio com este texto a Série "Encontro", sobre encontros não vividos, mas que seriam possiveis existir. E, caso seja um encontro que tenha realmente acontecido com você, leitor, compartilhe!

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Tempo de espera


Ela chegou da França e trouxe os trejeitos de lá. Ele a conheceu no café do aeroporto, e a observava nos olhos enquanto ela arrumava, meio sem jeito, aquele chapéu última moda de tantos zeros. Quando percebeu que não daria conta do movimento, retirou o chapéu e o colocou sobre a mesa. Girou, então, sua cabeça soltando o cabelo preso por baixo daquele feltro. Olhou para os lados a procura do garçom; seus olhos cruzaram com os dele. Desviou o olhar atraída pelo movimento que lhe estendia o cardápio. Abriu o cardápio, pediu um café e sorriu com o canto da boca. O que pensava? Porque sorriu assim, evitando os olhos dele a partir dali? Agendas cheias, viagens marcadas, rotinas tão distantes que não daria certo qualquer relação longa mesmo que todos os olhares fossem correspondidos. Entretanto, instantes de carinho e atenção passageiros foram trocados por um sorriso de canto. E, ao abrir mão disso, um gole de café morno tomou o fugaz lugar de interações - ainda - humanas.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Dois pontos. De-vista.


Cresceu com livros pela casa, no banheiro, nos quartos e nos ouvidos: ainda sem saber ler, sua mãe os cantava e eles gravavam para o mais novo dos dois relê-los desta forma sempre que quissesse. Aprendeu a gostar dos livros. E por gostar, aprendeu a se dar com eles. Findado o mestrado do mais novo, que crescera tão rapidamento quanto uma Era, ao devolver os livros que utilizara na pesquisa, a bibliotecária ficou brava porque ele os tinha rabiscado, sublinhando trechos que achava importantes e pondo anotações aos lados em branco. Chamando a atenção disse: "além de estragar, você diminui o tempo útil deles". Note que ela vê o livro como objeto inanimado, com valor monetário agregado, e que deve dar de comer a uma estimativa de retiradas do acervo. Foi um choque. Jamais ele pensou por esse lado, afinal, aprendeu com os livros que eles precisam conversar com a gente também. Eles levam todo um universo de imagens, sons e sentimentos e, em contrapartida, pedem que os suje, amasse, rasure, escreva sobre eles. A relação com o saber é mútua, vai do livro para aquele que o lê, e desse último para com o livro. O livro - certa vez me ensinou ele mesmo - seria triste se fosse visto como produto que não pode desgastar. Ele se realiza à medida que se rabisca.