domingo, 19 de fevereiro de 2012

Ainda te encontro, meu amigo


Esse é um auto-retrato de Magritte, de 1964. Esse também é um velho amigo meu que procuro. Ambos, se apresentam diante meus olhos e me perguntam algo como "quem sou eu?". Da pintura, fica seu mistério. Do meu amigo da infância, cujo rosto hoje é esquecido, fica a vontade de reencontrá-lo. Lembro do seu nome: Flávio. Flávio, seu Master System e Sonic, seu segundo jogo preferido. Quando criança não temos certeza de nada. Ele se foi, mudou quando a família foi-se embora da minha cidade natal. E de lá - sabe Deus onde - nunca mais voltou. Vez ou outra me pego pensando nesses que passam pela beira da estrada seguindo por um rumo qualquer. A maioria se perde. Um grande amor, certa vez, passou dessa forma. Mas fui mais esperto: já velho, agarrei e não soltei jamais. Mas me ressinto com o peso de, criança, não ter tido a mesma força para alguns que tenho carinho ainda guardado. É como se eu (de certa forma) passivamente deixasse meu destino se alterar por vontade dele. Sei que parado aqui, no alto do trigésimo andar, preso no elevador que sobe ao 31º, olho para baixo e vejo os andares que passaram cada vez mais distantes... tem dias que isso me dá vertigem.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Perda da eternidade


Naquele dia ela decidiu mudar a vida dela. A troca de tudo aquilo que teve valor em sua passagem com um querido amor por algo que sequer ainda acreditava veio motivado pelo acaso. Andar sem sapatos, olhar pra tudo como se nada lhe fosse desigual, era apenas uma ação natural, sem premeditação ou sentido é o que de mais natural lhe convém fazer. Mesmo que o caminho fosse o mesmo que sempre fazia pra ir pra casa, agora tudo soava naturalmente novidade. Alma nova, lavada e ainda indolor. Sua escolha por buscar outro caminho era algo que lhe doia, mas cuja decisão fora tomada, sem volta. De agora pra frente, a luta era não retomar seus antigos sentimentos bonitos por uma pessoa outrora muito amada por ela. Mas como enfrentá-la? Como vencê-la? Sua única certeza era aquilo que via: caminhos que poderiam ser percorridos, risos novos que deveriam ser dados e abraços novos com beijos mais calourosos. Seu único erro foi pensar algum dia que teria que ser pra sempre. Por isso hoje sofre com a interrupção dessa eternidade que lhe puseram diante de seus sentimentos. 

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Reencontro



Depois de muito tempo ele foi ao reencontro dela. A espera na chamada telefônica, o "pode passar" que, ligeiramente, soou ter um sentido contrário. Os cruzamentos, as ruas, a procura pelo número da casa e a indicação de referência: "a casa verde na esquina". Acontecem os segundos atemporais, marcados pelas batidas do coração num frenético pulsar. O lapso de tempo é rompido. À primeira vista, o sorriso leve; logo depois o abraço delicado, a falta de paixão no contato por ela. Ele a repreende em ato, puxa seu corpo novamente contra o seu no instante em que um afastamento se anuncia. Ela cede e mais firmemente entrelaça os braços. Pouca coisa. Ele silencia, busca sentir e entender se o tempo dela também está contato pelo órgão que trabalha em virtude de uma paixão. Eles entram, tomam café. Mais gente se aproxima para cumprimentá-lo, sempre demasiadamente educados, demasiadamente amáveis e demasiadamente distanciados de uma vivência que não aconteceu. Então ele se sente querido, e pede baixinho para que o próximo lapso sirva, enfim, para aproximá-los definitivamente.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Último encontro

Ela não pôde ver meu rosto pelo outro lado da linha. Ouvi seu desabafo, sentimentos há tempos guardados rancorosamente. Como consegue? Sempre disse pra não fazer assim. Mas daquela vez entendi que era séria a coisa, o tom de voz, a ligação curta, os motivos inexplicáveis. Era um fim de dois, tentativas fracassadas de um homem e de uma mulher. Tentativas. Eu não tentei. Vivi e quis viver mais, pra sempre, como dizem as poesias. Mas elas não estavam do meu lado. Essa história de que só há amor se houver dor/não sei se concordo. A dor aumentava enquando sentimentos que não expressos em alegria eram, um a um, empilhados em um coração de carne. E isso era amor? Creio que não. Era, talvez, amor ETERNO. Como posso saber? Criança, ali enquanto ouvia aquele último desabafo, compreendi que se guarda do outro aquilo que é importante, aquilo que significa compartilhar. E uma pessoa que compartilha toda uma profusão de sentimentos sem nexos pretende sentir um pouco mais do que amor. Se a poesia estiver minimamente correta, quanto maior a dor, maior (será) o amor (mas que doeu doeu...).