Daqui, preso aqui dentro, só posso imaginar a minha cara vista dali, do canto da sala, ao lado do aparelho de televisão. Cara de quem nem se lembra o que comeu. Cara de quem ainda tem fome e que não tem comida o suficiente. Ah, se dali pudesse olhar, acenar e dizer em voz alta tudo o que penso e sinto! Faria ali, do lado de fora, essa cara também pelo lado de dentro. Meu reflexo não é mais daquilo que fico aqui, imaginando. Sou a voz que registra o que vejo sem ao menos ser autorizada pelo meu próprio eu. Eu, a voz, que vos falo, faço aqui uma nota sobre meu rosto: se vocês pudessem ver como ele estava a pouco! Não é sono, tristeza, monotonia, nada disso. É uma cara dessas que nos pegamos de vez em quando. É o reflexo que só se vê pelo lado de fora e que existe somente aqui do lado de dentro. Complexo? Não, é reflexo puro. Daqui do lado de dentro vejo tudo como acontece do lado de fora. Mas só vejo. Ainda não sei me desprender e caminhar entre tantos lados meus.
Imagem de Nunes de Freitas. Conheça mais em seu Olhares.