quarta-feira, 26 de julho de 2023

Homem ordinário, pai extraordinário


Não é interessante como uma mesma pessoa pode ser várias ao longo desses últimos 42 anos? Aquela presente nos momentos difíceis, ausente nas festas, estava ali na virada do ano tocando e cantando em falsete. Já passamos viradas de ano, juntos, com a luz apagada de um quarto de hospital em plena queima de fogos. Me lembro que olhei pra fora da janela, mas via a queima apenas nos reflexos da parede. Uma pessoa ordinária, mais um pai pra mais um filho, mas um pai extraordinário pra um filho ordinário. Como deve ser, fizemos o que era preciso. Há um peso nisso tudo. Suportável com o tempo, insignificante quando em nosso próximo reencontro. Aquele último segurar de mãos, o último beijo, o último suspiro. Agradeci pela vida que me deu, agradeci por me fazer quem eu sou. Minha primeira lágrima caiu quando percebi, sem soltar de sua mão, que não estávamos mais no mesmo plano espiritual. Depois parei de contar quantas foram. O silêncio. A luz fraca de mais um quarto de hospital. O caminho frio de uma noite de inverno até nossa casa, três quadras a pé, pra avisar a mãe. Fui buscá-la para te ver uma última vez, pra poder te dar um beijo ainda quente. Te amo, pai. Segue seu caminho sem nós por enquanto. Te levo seu violão logo, logo, com cordas novas e o mesmo amor no coração.  

(em memória de meu pai * 14/07/2023)