terça-feira, 13 de janeiro de 2009

ARRANCARAM-LHE OS OLHOS

Arrancaram-lhe os olhos e deram-lhe o que comer. Sem fome, aprendeu a obedecer. Com comida sempre bem dada, a ser fiel. E fiel, assim, foi. Sem seus olhos, aprendeu a ouvir, mas ouvia pouco também. Aprendeu a cheirar, mas cheirava pouco também. Sem olhos leu os livros todos do colégial, os da faculdade, o que mamãe lhe dava. Leu também filosofia, sem olhos, e mais uma vez lhe deram o que comer, o que beber. E fiel, assim, foi. Ouviu por ai que ler só lê quem sabe ler, que leitura nao era reconhecimento das letrinhas.

Mas fiel era, e fiel lhe deram outro pedaço de cultura. Estava amarga desta vez. Não podia ver, sem olhos, lembram? Mas estava amarga, amargou a lingua, não as vistas cegadas. Lhe disseram que devolveriam os olhos para ver que tudo estava certo, nada de estragado lhe fora dado. E lhe deram de volta. Ele os pôs. A literatura continuou amarga. Mas ele não devolveu os olhos. Comprou óculos. NADA: amargo ainda. Culírio, massagens... nada tirava o amargo. Resolveu por um pouco de doce antes na boca. E não funcionou. Mas passou os olhos noutro doce, e então adoçou. Tendo-se por resolvido, quis devolver os olhos, mas lhe avisaram: "não são os olhos"... Ele então entendeu. Já havia sido letrado. O problema, reconheceu, era a lingua. Deu-lhe ela. Mas agora os olhos escureceram. Ele prova da claridade com as bochechas. Acha que, bem degustada, a luz volta. E volta. Assim que lamber o escuro e fizer digestão.

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