domingo, 21 de dezembro de 2014

Neste último mês


Uma música não me sai da cabeça. Posso dizer que ela conta essa imagem: árvore velha, caída, derrubada por um vento forte ou um raio em um dia escuro. Esses dias fui até lá, sem saber da sua existência, e a fotografei. Pude notar suas marcas abaixo da casca, já ressecada, caída. Aquele galho estava nu. Dizer que mostrava sensualidade por não vestir suas roupas não seria adequado. Mas era como um espelho revisitado 33 anos depois. Olhar para troncos assim tem me mostrado coisas passadas e amadurecidas sem necessariamente me inspirar confiança ou segurança. Não sei se é coisa de signo ou ascendente, mas nasci para ver. Contar sobre isso foi acaso. Mostrar tem sido escolha. E embora eu possa falar e falar e falar quando com sono, tenho sido desmedidamente seletivo para apontar e escolher em quanto tempo lhe mostrar alguma coisa. Este último mês foi como um piscar de olhos. 

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Ó tempo tão desigual


Sinceramente esperava mais saculejos ao longo da vida. Até os 30 foi tudo muito tranquilo, calmo, demasiadamente calmo. Um ou outro baque, mas normais, coisas da vida. Alguns aprendizados, algumas notícias razoáveis aqui, outras pessoas indo embora ali, cada qual com um destino e um tipo de passagem diferentes. Tá tudo tão igual, mas uma observação tem me tirado a vontade de café: o tempo tem passado diferente conforme sua vaidade. Voa quando peço calma, não passa quando preciso dele como remédio. Às vezes sou capaz de jurar que ele fica ali, na esquina, me observando enquanto tenta relaxadamente se esconder atrás do fino poste de endereços. Nessa brincadeira sou eu quem sempre levo a rasteira. Ele me deu possibilidades, oportunidades, até afeto - me arrisco a dizer. Mas é tão desigual! O que deveria parecer uma aventura fica assim num sentimento de quase angústia. Agora, por exemplo, ele voa.

sábado, 13 de setembro de 2014

Já somos outros


É sobre ver todas aquelas pessoas novamente quinze anos depois. Elas ainda lá, na pequena cidade, trombando contigo da mesma forma, ao acaso. Sempre me pergunto se elas ainda se lembram de mim, se me reconhecem, se sabem meu nome. Noto que os rostos são quase que outros. Em sua maioria, cansados, tristes, como os meus devem estar. A rua mais vazia, as árvores também morrendo (percebi que na cidade elas duram menos), as coisas fora de lugar. Tudo parece fotografia manipulada. O tempo, que deveria ser bom, tem machucado. As aventuras não tem sido inesquecíveis e minhas decisões, arriscadas, têm me cobrado muito durante o sono. Dois anos depois, o menino se esconde novamente. Deve estar trepado em alguma jabuticabeira cuspindo o caroço na minha própria cabeça.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Das coisas que não podem ser


Foi por acaso que parei naquele lugar. Fiz meu pedido e em pouco tempo notei você ali, com seus pais. Enquanto você sorria e falava coisas sobre ter comido bastante certo dia, eu pensava no sinal vermelho que eu havia acabado de atravessar, arrependido por tão boba infração de trânsito. Fez-se, logo, mais tempo que parei para olhar seu rosto: traços tão suaves, pele branca e macia, o corpo hermético, os olhos azuis, o cabelo loiro e liso. Faz pouco tempo que desviei meus pensamentos e comecei a pensar na possibilidade de tantos sorrisos serem pra mim, alguns das piadas bobas que contaria cotidianamente; outros, das besteiras que eu talvez faria para te ver sorrir e escutar essa voz um tanto quanto incômoda. Imaginei todas as possibilidade daquilo ali sair do acaso e se tornar nosso caso. De todas as imaginações possíveis, nenhuma fora viável: pedir um telefone, fazer uma declaração, mandar um bilhetinho. Sério? E foi assim que você se foi. Sem a possibilidade de ser, você se tornou mais uma das coisas que não podem ser. Paguei a conta e fui embora pensando nestas impossibilidades.

domingo, 27 de abril de 2014

O segredo de quando nos falamos pela primeira vez


Aquele sorriso forte no rosto, os olhos tão abertos, os cabelos agitados. Sua voz, alta, tão nova para mim. Ainda apreendo seus traços... a sobrancelha simétrica, os orelhas escondidas pelo seu cabelo liso. Aqueles seus toques ocasionais em minha perna - e eu torcendo por mais deles. Os assunto se sucedem, falamos de nós, de coisas que estão mais próximas. Uma pergunta inesperada e é preciso buscar mais distante a resposta. Mas ela vem. E quando a ironia chega mais depressa, ou causa certo espanto, sua mão repousa por um pouco mais de tempo em minhas pernas - e eu torcendo para ela parar ali. O riso vem largo, nossas cabeças se inclinam para frente, ficamos pela primeira vez mais próximos do que nunca. Aprendi a saber a hora exata de falar um pouco mais baixo e forçá-la a se aproximar. Fiz parecer que o assunto era como a senha secreta de um tesouro perdido e você se aproximou para ouvir - e eu torci para que viesse mais perto do que realmente veio. Foi a segunda vez que senti seu perfume naquele dia. Não nos afastamos mais depois que o segredo fora revelado - e eu pensava como inventar um outro ainda maior. São os segredos que trazem os corações para perto.

*img da Sarina Lopes.  

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Naquela semana foi como nesses dias


Naquela vez foi a semana inteira. Ia para o banheiro correndo para não entristecer bem na frente das outras pessoas. Era assim no almoço, de tarde e também de noite. Quando chegava em casa e me deitava no chão da sala, era meu cume. Dava que, às vezes, acordava de madrugada assim também. Ou abria a geladeira e também acontecia. Experimentei umas coisas que via em filmes e achava que não acontecia com ninguém, que era ficção, tal. Até então não tinha ideia que aquilo acontecia de verdade. Aquela semana tem se repetido por esses dias, mas de formas pontuais. E tenho escrito aqui - desde aquela época - para que o velho, ao ler este moço, tenha certeza dos fatos e se conforte. Não entendo, me esforço para entender, mas não chego lá. Não tenho isso de tirar satisfação, de precisar confrontar. Se trago uma flor, se preparo surpresa de páscoa, se não limpo a casa do jeito que não me foi pedido, se não compro as coisas que não sei que acabaram, se a entrega da mesa atrasa ou se há água no hall de entrada na parte comum do prédio, não importa: tenho sempre que ser afrontado. Tenho buscado melhorar em tudo que me é pedido, passo uma vassoura na casa todo dia, lavo a louça todo dia, ajeito as coisas que estão aqui, ali, por lá. Mas juro que se tivesse mais espaço eu organizaria aquele canto da bagunça. Ela sou eu, ela está lá para aquela tarde vazia eu ligar a guitarra e seu amplificador pesado. Tudo está no seu lugar. Mas esse lugar já não é só meu. Queremos caber aqui, percebe? E se acerto aquele canto, outras coisas serão afrontadas. Tem sido assim.

terça-feira, 1 de abril de 2014

Aquela menina


Estava sempre sorrindo, intermediando conflitos, trazendo paz. Os cabelos longos, o sorriso aberto, o aparelho nos dentes, a perna grossa, outro sorriso. Aquele olhar de quem vai fazer algo correto, hoje, traz boa saudade. Foi há longo tempo. Caíram muitas árvores, construíram novos quarteirões, ela mudou de cidade, de Estado. Cresceu. Cresci também. Mas quando o menino traz essas lembranças inesperadas ao velho elas vem bem-vindas, embora tragam overdose de melancolia. O remédio é o tempo. Aquela menina não sabe, mas há muito não vivido nesse lapso temporal. Aquela menina, hoje, me visitou. E trouxe novidades: eu soube que está indo e fico muito feliz por isso.

domingo, 30 de março de 2014

Meio incompleto


Meia parte minha pensa em palavras repetidas. Pensa em atos repetitivos e escolhe hábitos igualmente repetitivos. A vida - sua rotina - tornou-se repetida. Meia parte minha pensa no violão do quarto. Pensa em pegá-lo, tocá-lo, sem terminar uma canção sequer. Tornou-se repetitivo esse hábito. Mas foi abandonado após o casamento por motivo de estorvo. Outra meia parte minha deita-se. Repetidas vezes acorda cedo para trabalhar. Mas pensa, às vezes, em viver das dificuldades naturais de quem traz pouco sustento. Meia parte discute com meia outra parte. Não há acordo. O coração sente e a razão diz que não há razão em assuntos como este. No fim todos sobrevivem: meias partes, meio coração e meia razão. Mas uma coisa é certa: meu meio já está incompleto.

quarta-feira, 12 de março de 2014

Pequena flor de plástico


Chegou como todas chegam: colorida, cheirosa, prazerosamente. Mas aos poucos foi-se desbotando. Aquela pequena flor de plástico não sabia mais como respirar. Foi dado água, adubo, carinho e músicas do Nando Reis. Continuou a morrer. O que aconteceu, não sei. Mas suponho: plantas de plástico não precisam ser aguadas, adubadas e cativadas. Muito menos escutam música. Mas aquela pequena flor era falsa. Tão falsa que sequer falsa parecia. Fez-se verdadeira somente para falsear sua essência. E não é que ela floreou? E deu cheiro a danada. E cantava aos fins de tarde. Foi então convidada a ser entregue a alguém como prova de amor. -"Mas... eu não posso nem comigo!", e suspirou em lamento. E foi assim que foi deixada ali.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Coisas de menino


Algumas coisas de menino por vezes voltam: aquela vontade de jogar pedra nos cachos de abelha, passar rosnando frente a um portão com um cachorro bravo, subir numa árvore enorme e jogar balões d´água nas pessoas que passam embaixo dela, esperar numa esquina e gritar quando alguém fizer a curva, tocar campainha e sair correndo, gritar nome errado bem atrás de alguém. Como se fosse pouco, ainda escondia o último danone bem no fundo da gaveta de verduras, roubava o último pedaço de chocolate do guarda-roupas alheio e desligava a TV com o volume no máximo para assustar quem a religasse. Ainda esvaziava os pneus dos carros e bicicletas, apanhava as últimas carambolas da vizinha da minha vizinha, entrava de noite no quintal ao lado para chupar jabuticabas e atravessava o quarteirão pelos muros das casas comento toda fruta madura que achava. Quando havia, pulava do alto das árvores sobre os montes de areia e transportava quase todos os tijolos de uma construção para outra em cima da frota composta por meu caminhão e de meus amiguinhos. Já eram minhas pequenas vinganças contra o mundo mau que eu ainda teria que enfrentar quando moço.

img: André Gandolfo

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Um banquinho e uma fita crepe


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