terça-feira, 2 de abril de 2024

A mensagem que não vem



Das poucas certezas da vida: a sua mensagem, hoje (27 de março, meu aniversário), não vem. Nesse primeiro aniversário sem você, pai, várias certezas derrubam a certeza daquelas populescas incertezas da vida. A ausência da mensagem, do abraço, da ligação, da presença. Não pensei na partida, na perda, na sua ausência em si, que convivo desde então. Confesso que pensei, senti, sentei e chorei pela mensagem que não viria. Isso não me saía da cabeça, sabe? Aquele nó de chocolate branco na garganta. É mera questão simbólica, eu sei. São fortes os símbolos, não são? Precisei explicar pra algumas pessoas a cara fechada, a falta daquele animo da jantinha que fiz no ano passado. Não precisava, claro. Não fiz churrasco, não quis parabéns. Meu desejo era um. E ainda espero, ansioso, ele acontecer: falta aquele sonho com seu abraço me desejando força e boa sorte. Esse - espero - qualquer dia vem. 



 

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Salve, Jorge


Depois que as cortinas foram fechadas e os aplausos se silenciaram, as luzes foram apagadas e a porta foi fechada. Tudo num piscar de olhos, tudo em milésimos de segundo, tudo efemeramente impreciso. Não tinha relógio nos punhos, mas o tempo que corria ali, acima de sua presença mesmo assim, dessa vez parou por um novo e incerto tempo. Embora tantas vezes tenha propositalmente e descaradamente paralisado os segundos e recortado os espaços tantos de tantas expressões artísticas  (para nosso delírio da Arte), dessa vez foi ele quem se despede dos lugares e permanece, parado, em um mesmo espaço conciso. "Salve", sempre dissemos ao chegar ou a sair. Hoje, três Salves foram ditos a Jorge, os penúltimos. Resta, ainda e na fé, um último Salve: o do nosso reencontro. Enquanto isso fotografaremos, aqui nesse planetinha, pelo tempo que Deus nos permitir viver nossa vidas entre tantas outras brevidades e lugares que nos lembrarão de você. 




quarta-feira, 26 de julho de 2023

Homem ordinário, pai extraordinário


Não é interessante como uma mesma pessoa pode ser várias ao longo desses últimos 42 anos? Aquela presente nos momentos difíceis, ausente nas festas, estava ali na virada do ano tocando e cantando em falsete. Já passamos viradas de ano, juntos, com a luz apagada de um quarto de hospital em plena queima de fogos. Me lembro que olhei pra fora da janela, mas via a queima apenas nos reflexos da parede. Uma pessoa ordinária, mais um pai pra mais um filho, mas um pai extraordinário pra um filho ordinário. Como deve ser, fizemos o que era preciso. Há um peso nisso tudo. Suportável com o tempo, insignificante quando em nosso próximo reencontro. Aquele último segurar de mãos, o último beijo, o último suspiro. Agradeci pela vida que me deu, agradeci por me fazer quem eu sou. Minha primeira lágrima caiu quando percebi, sem soltar de sua mão, que não estávamos mais no mesmo plano espiritual. Depois parei de contar quantas foram. O silêncio. A luz fraca de mais um quarto de hospital. O caminho frio de uma noite de inverno até nossa casa, três quadras a pé, pra avisar a mãe. Fui buscá-la para te ver uma última vez, pra poder te dar um beijo ainda quente. Te amo, pai. Segue seu caminho sem nós por enquanto. Te levo seu violão logo, logo, com cordas novas e o mesmo amor no coração.  

(em memória de meu pai * 14/07/2023)

sexta-feira, 8 de julho de 2022

(As)simetrias dos caminhos


É durante nosso tempo na estrada que podemos compreender muitas coisas que não entendemos quando não estamos em movimento. Nossos caminhos, por exemplo, podem convergir em um ponto mágico, numa dessas coordenadas qualquer. E se há qualquer barreira natural, como um rio no entrave deles, então as pontes podem ser construídas para trazer o nosso encontro. A ponte é um objeto singular. Ela rompe com o oposto, com a dificuldade. Ela abre um caminho no qual logo em seguidinha nos acostumamos a dar as costas novamente. Sorte de todos aqueles que seguem seus caminhos um de frente ao outro, sem importar a direção. 

segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Alma passadeira

 


A graça que mais me encanta na fotografia é o congelamento. Fácil deixar tudo parado com minha máquina. E, ao parar, tudo fica pra sempre ali, estático, meu, pra sempre. Mas não é assim. As coisas não deixam de passar, vão junto com minha alma passadeira inquieta desse mundico. Imagino se em outros lugares as almas tb passam ou se elas permanecem. Tudo, ao que nos parece, passa. O estado transitório é que parece permanecer. Que ironia, eu penso. Quero o perfume de uma flor pra sempre, mas, pra isso, preciso de todas as flores que passarem por mim. O que permanece são os rastros, mera luz das estrelas refletida. 

sexta-feira, 3 de maio de 2019

Quase 365 dias ao entorno de mim


Por quase 365 dias a Lua girou em torno de mim. Havia uma sombra, um lado oculto, que apareceu ao final da espera e da pior forma que poderia ser. Os 365 dias eram tempos essenciais: fortaleceriam as voltas ao entorno da Terra, atraindo cada vez mais as marés, enquanto, para ela, a minha Lua, era apenas mais uma volta ao entorno do Sol. Dois eixos, tantas voltas, uma translação e dois fenômenos ocultos. No final, os últimos meses eram de constante tormentas tal qual era a força dessa atração. A Terra, então, passou por nova era, um novo dilúvio, uma nova arca na qual era preciso escolher o que deixar dentro e o que deixar de fora. Duro, mas foi dada a chance de escolha. A arca foi fechada, a escolha feita, e agora resta repovoar o interior a partir daqueles poucos fragmentos que sobraram do lado de dentro, esmigalhados por dois eclipses, agora, sem fins. Para tantas voltas, um final inesperado. Se um de nós três pudesse escolher (o menino, o moço ou o velho), eles todos teriam escolhido manter tudo do lado de dentro e mudar a escolha feita. Mas dois eclipses ignoraram todos esses dias. Fizeram a Lua esquecer que a atração dela com a Terra fora feita dia a dia. Agora, pouco importa; a escolha determinou o mais importante, e não foram os quase 365 dias ao entorno de mim.

quinta-feira, 14 de março de 2019

Tudo ao mesmo tempo


Essa semana sentamos para conversar. Nós três, o Menino, o Moço e o Velho Santiago. O Menino chorava igual criança; o Moço resolvia seu cotidiano pelo celular que apresentou demasiada lentidão e o Velho ria dos outros dois primeiros. Há uma beleza no comportamento de cada um ao mesmo tempo em que havia desespero no coração dos três. E eles sabiam disso. Todo momento de transformação surge de uma reação. Esta, fica latente marinando sua explosão de tempero. Primeiro as belezas: o choro é o mais próximo que a alma encontra de sair do corpo, tomar um banho de chuva e voltar renovada. Mas nem sempre resolve alguma coisa. Então as crianças choram demasiadamente fácil uma vez que pouco resolvem, mas levam muito sua alminha para passear e cantar com suas músicas banhadas pela garoa. O cotidiano é o equilíbrio que toca a vida. O baile que segue. As revoluções ao entorno do Sol. São já naturais, mas não serão eternas, mesmo equilibrando essa dança toda, tão necessária para manter uma certa harmonia. Mas, na verdade, pouco mantém: é o processo, o caminho - estável - que conduz ao fim de tudo. Nosso fim é guiado pelo cotidiano. Nossa trajetória será estável até o final. Já o riso, ah, o riso! Quando é do menino, é a alma se enxugando dentro da gente. Quando moço, são os meandros do sim e do não, do certo e do errado. Quando é do velho, é como se fosse o tempo soprando seus segredos mais viscerais. Ter a idade em que mais anos se passaram do que há porvir traz uma tal serenidade: não é o grande final, mas é o fim dos ventos, o cessar das ondas, o eterno amanhecer aprisionado na pausa entre as estações. Em todos os casos é morrer de amor para tentar reviver.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

21 anos separam eu de mim



Ontem deu saudade. Daquelas que às vezes pegam a gente de jeito. O gatilho, claro, foram as coisas atuais que entraram em conflito com aquelas da memória: árvore de natal não montada em pleno 19 de dezembro. A família longe, distante, apesar do contato constante. Falta o cheiro, sabe. A porta que abre bruscamente, o barulho dos cachorros tão carinhosos com quem eu não consigo trocar mensagem. E então revejo essa cena de um trabalho de biologia feito com pessoas que sinto boa saudade, em 1997: 21 anos separem eu de mim. Para uma boa parcela da população, ver a si mesmo é natural. Para mim não. Não existia celular, computador, internet na cidade. Naquela época, tínhamos uma câmera na mão e uma vontade enorme de sair pelo mundo, conhecer e ver novas coisas. Aquele eu se encontra, hoje, com este. E o encontro é cheio de saudade e de abraços mais que apertados. Hoje a saudade ainda continua.

domingo, 1 de julho de 2018

As Leis do Termoaconchego


As Leis do Termoaconchego são poucas. Provavelmente vocês já as conhecem, mas vou ajudar: basicamente trata-se de abraços. Elas dizem que se a gente se aproxima muito de alguém pelo qual sente-se imenso carinho então terá juntado entre estes - ao espaço de um abraço - tanto sentimento que isso tudo trará um equilíbrio. Em outras palavras, sabe aquele calorzinho de um aperto demorado? Está ai. Mas preste muita atenção! Depois deste encontro é extremamente necessário que vocês elevem a temperatura deste abraço pela adição de mais sentimento, sobretudo ao logo da vida, trabalhando pacientemente e sempre sobre essas leis. Senão pedirás (coitados!) que um abraço quente passe calor para um abraço frio... Bom, e apesar de parecer com qualquer ramo da física, na verdade, o Termoaconchego foi fundado no ramo físico mesmo, onde as práticas zombam das abstrações teóricas e onde quatro braços devem se abraçar sem culpa em seus mundos sem a obrigação de nada mais além dos apertos no espaço e do interminável tempo da juventude.

sábado, 19 de maio de 2018

Espaços, paixão e transformações



Há alguns espaços não ditos. E são tantos e de tantos! O do Sol, sem a presença da Lua. O das demais estrelas, com aquele vazio presente entre tantas e tantas galáxias. Não é uma questão de estar próximo. Não é físico. Não é explicativo. Algumas transformações não podem ser imediatas: precisam de bilhões de anos. Transcendem, e acendem naquela poeira que vagava no espaço vazio uma luz que vai, em duas ou três gerações de sois, finalmente, fundir materiais mais pesados que a nossa mera vontade, materiais como a paixão e o amor. Nem toda luz que se forma produzirá paixão e amor. Ela não pode ser nem muito grande e nem muito pequena, tem que ter um tamanho exato. E essa é a ironia da harmonia de toda a natureza. Algumas pessoas possuem uma grandeza ou uma pequeneza tão extremas que jamais fundirão sua essência em sentimentos. Permanecerão astros chamativos, sem vida ao seu entorno. Que triste para estes. Na pressa do Moço Santiago eu percebia apenas que a paixão marcava a pele. Nas tristezas deste Velho, finalmente percebo que tais marcas é que forjam o amor.

quarta-feira, 21 de março de 2018

Um universo dentro de mim, um vazio ao seu lado


"Não seria muito um universo se não fosse o lar das pessoas que você ama". A foto é do Moço Santiago, já a frase é atribuída a Stephen Hawking, que semana passada passou a ser mais uma estrelinha no céu. Ele brinca com a ironia de que o universo, apesar de incomensurável, não tem sentido sem as pessoas realmente importantes em nossas vidas. Acontece que, às vezes, sinto este universo tão pequeno e vazio (pois se faz agora mais uma vez). Vazio pq apesar de tantos esforços para dar significado parece não haver forças (que eu espero) para preenchê-lo com aquilo que Hawking chamou de amor. Algumas formas de amar trazem frio e dureza. O limite externo parece claro, enquanto o interno não. A água, necessária em nossas vidas, mata em contato com o corpo externo se demasiadamente fria. Qual o limite da tolerância? Quando é hora de ir embora (e como, astronauta?) deste universo que se faz vazio? Nesse universo dentro de mim, cada vez mais se revela um vazio ao seu lado. O mundo tem menos espaço sem você aqui, Stephen. 

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Prazer em conhecê-lo



Há uma estranha aproximação em todos os finais de ano. Dois entes que se aproximam, se tocam, se beijam, e não se veem mais. Aquele que se aproxima é sempre um desconhecido. Traz, às vezes, expectativas sobre ele - boas e ruins - mas sempre é desconhecido. E acostumamos a nos entregar a ele de forma calourosa, vibrante. Àquele que se afasta, agradecemos e mantemos ele presente em nossas fotografias e memória. Duas presenças assustadoras pra mim. Não tenho de nenhum concretude, mas sempre sonhos, esperanças ou memórias e fotografias. Ambos coexistem, mas não se tocam. Há um momento no qual eles se olham, se aproximam, tenho certeza que se tocam e, da mesma forma fugaz, se afastam, ainda se olhando, com o que sobrou de molhado do beijo que trocaram por formalidade. As luzes acesas, o barulho de rojão, o álcool no sangue das pessoas, o olhar curioso da criança, a comida pesada no estômago e a presença de pessoas queridas ao nosso entorno. Esses dois caras observam tudo isso. Ambos podem nos trazer novas presenças cada qual da sua maneira: ou pela memória do ente passado de pessoas queridas que amamos e que se foram, ou pela força do ciclo que renova nossa humanidade. Ambos trazem dor e alegria, ambas emoções se misturam e formam aquilo que de mais essencial e exclusivo há em todo o universo: a vida humana. Prazer em conhecê-lo, ano novo.