quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O professor de filosofia e minha nota D

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Me tornei professor, uma escolha óbvia para um filho, irmão, sobrinho, primo de professores. E atuar nessa profissão tem me trazido lembranças de quando fui aluno. E, me colocando nessa perspectiva, me vejo na pele dos meus próprios alunos, projetando seus ardores em certezas que só virão amanhã. E tudo são lições que se aprende, às vezes, com uma boa dose de tempo. Uma das grandes lições que aprendi quando menino me fora ensinada pelo professor de Filosofia do colegial. Sempre fui um estudante mediano, mas esforçado. Notas médias, poucas faltas, sentia que era mais difícil pra eu entender certas coisas do que pro resto da turma. Mas isso me foi combustível e não freio pra meu aperfeiçoamento.

Um dia, entretanto, algo terrivelmente errado havia acontecido. O professor havia me dado nota D, o equivalente a 2. Ou seja: mais do que o suficiente pra levar uma bronca moral dos pais. Passei pela bronca, reconheci a necessidade de estudar mais e segui adiante. Nunca entendi, porém, como eu, um aluno mediano e esforçado, havia tirado D enquanto o pior aluno da turma havia tirado um A. Comparações são inevitáveis, especialmente nessa época adolescente de autoafirmação. Achei injusta a discrepância das notas pois sabia do meu esforço e via a indiferença do outro estudante em relação à disciplina em questão.

Cerca de 4, 5 anos depois desse D eu reencontrei esse professor, que havia se mudado da minha pequena cidade, mas retornado. Era um sábado a noite e nos vimos, rapidamente, no corredor de um bar na avenida da minha pequena cidade. Não estávamos no melhor estado de sobriedade que um recém universitário e um antigo professor de Filosofia deveriam estar, mas era possível identificar os argumentos, entender as palavras e compreender a situação que se formava ali. 

Resolvi tirar satisfação, havia ingressado em uma ótima universidade pública e me sentia confiante o suficiente para questionar aquela antiga e injusta avaliação. E foi 5 anos depois que veio a grande lição daquela prova de colegial... quando questionei o porque da minha velha nota baixa e da velha nota alta do mau aluno, o professor puxou a minha cabeça quase encostando-a na sua. Então me disse que sabia que eu era capaz de muito mais do que aquele outro aluno, e reconheceu que eu realmente merecia uma nota melhor. Mas continuou dizendo, entre pausas pra respirar e organizar as ideias que vinham mais lentamente, que se tivesse me dado nota 10 ele teria, conscientemente, podado a minha vontade de buscar um objetivo maior, qualidade que havia identificado em mim. E pediu minha compreensão. 

Voltei pra onde estavam meus amigos, e comentei sobre a situação estranha que acabara de vivenciar. Todos eram admiradores, mesmo que calados, daquele humilde professor. Naquele dia, meu antigo professor ganhou mais do que minha compreensão. Ganhou minha eterna admiração e respeito. Eu, ganhei uma lição: que o conhecimento e o crescimento humano-pessoal são coisas que se estruturam com perseverança e com tempo, mesmo sob os olhos da nossa ignorância, que tão onipotente se julga. Aprendi que é preciso esforço, muito, e tempo, mais ainda, pra se entender as lições de um verdadeiro mestre. E falta sinto de mais mestres assim, que usam jeans, chinelos, camisas abertas e que sabem da vida não porque estudaram, mas porque viveram. 

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