sábado, 20 de maio de 2017

Notas imperfeitas sobre ela


Nesses últimos anos todos tenho escutado sobre as minhas faltas de atenção. Como se eu não as conhecessem melhor do que ninguém. Toda elas, absolutamente cada uma delas, contam minha história: quem eu sou, como levo a vida, as coisa que tolero e as coisas que me toleram. Nessas conversas unidirecionais e quase dissociativas tento me esconder em vão, afinal, eu sou meus defeitos, assim como também sou meus acertos. O engraçado é que também tenho notas imperfeitas sobre ela. O fato de nunca as dizer não significa que não me incomodem de alguma forma. Significa que tenho serenidade para não trazer essas notas e deixá-las sobre a mesa de café da manhã ou do jantar ou começar nosso domingo com elas tomando um espaço que prefiro preencher como carinho e afeto. Por exemplo: no começo eu até achava engraçado todos aqueles copos sobre a pia, usados para o mesmo fim: tomar água. Cada copo um pouco de água. E assim todos os copos eram usados e deixados sobre a pia. E eu sempre os lavei, sem qualquer raciocínio pessimista sobre isso. Coisa pequena que, com o tempo, foi-se reduzindo até que não vejo mais tantos copos usados com o mesmo propósito. O tempo deu conta de ajustar os copos, pq eu me preocuparia? Outra nota da imperfeição sobre ela é o chuveirinho do banheiro sempre fora do suporte (que é a própria torneira) e aberto. E isso não me incomoda: a cada banho eu o fecho e o guardo, como quem ganha tempo para gastar com amor e não com reclamação. Também é comum se fazer a limpeza perfeita do quarto e deixar, sobre o notebook e a mesa de trabalho, antes arrumados, todos os fios e cabos que estavam antes no chão. Termina-se a limpeza, mas nem tudo volta ao seu lugar. O arrumado sujo deixa seu lugar para o desarrumado limpo: os fios permanecem ali por algum motivo também imperfeito que, com nem 2 minutos de leve esforço, tudo volta à normalidade sempre imperfeita de antes. A cama sempre desarrumada também me alerta: ali faltou atenção. Mas qual o prejuízo? Três, cinco minutos esticando ali e dobrando duas cobertas leves? Em um esmero olhar cabe o infinito se há amor. Comparado a isso, o prejuízo por expor tais notas imperfeitas em minutos de discussão ao invés de um olhar de ternura custariam várias eternidades de olhares. Seria muito prejuízo. O que dizer então da gaveta de roupa que, quase sempre mal fechada me impede de abrir a minha? E o espelho do carro que sempre é deixado pra baixo ou então, sempre que paramos, suas coisas são deixadas sobre o meu banco e não sobre o próprio banco dela? Coisas tão pequenas que sem minha ignorância explícita e proposital poderiam se tornar mal entendidos e discussões fúteis que levaria qualquer gostar que sobrasse para longe da nossa convivência. Há mais notas imperfeitas sobre elas, mas que ficarão para a próxima canção que estou compondo.  

Um comentário:

Helena Rodrigues disse...

Acho que somos uma combinação infinita de defeitos só tolerados por quem, realmente, nos ama. Lindo texto!

Beijos!